O amor, a vida e a existência após a morte segundo Percy Shelley. Por Camila Nogueira

Atualizado em 30 de julho de 2015 às 7:22
Percy
“Nós vivemos e, vivendo, perdemos a compreensão da vida”.

Percy Shelley (1792 – 1822) foi um dos mais notáveis poetas românticos. Sua vasta obra literária e sua percepção delicada dos mecanismos da alma humana fizeram com que o escolhêssemos como o protagonista mais recente de nossas Entrevistas com Escritores Mortos. Os trechos em questão foram retirados de seu livro de ensaios.

Mr. Shelley, o que é o Amor?

O amor é aquela poderosa atração que nos encaminha a tudo aquilo que concebemos, temos ou esperamos além de nós mesmos, quando descobrimos dentro de nossos próprios pensamentos o abismo de um vazio insuficiente.

Hmmm…

Se nós raciocinarmos, então seremos entendidos… Se imaginamos, é por desejarmos que os graciosos pensamentos que formamos em nossas mentes nasçam novamente dentro de outras… Se sentimos, é por desejarmos que o controle das emoções do outro vibre apenas por nós, que o brilho dos olhos do outro vibre apenas por nós, que se ilumine e misture-se e molde-se dentro dos nossos, que os lábios de um frio paralisante queimem diante da melhor disposição do coração. Isto é amar, é o Amor. Ele é o laço que conecta não somente o homem ao homem, mas a tudo o mais que existe.

Então o amor não conecta apenas um ser humano a outro? Pode também conectá-lo a tudo o mais que existe?

Na solidão, ou naquele estado abandonado quando nos encontramos cercados por seres humanos e mesmo assim estes não se sensibilizam conosco, amamos as flores, a relva, os córregos, os firmamentos. No movimento de cada folhagem da primavera, no azul do céu, há uma espécie de correspondência secreta revelada ao nosso coração. Há eloquência no vento sem voz, uma melodia nos ribeirões que fluem, no farfalhar dos juncos ao longo destes, que desperta o espírito para uma dança de um êxtase ofegante, trazendo lágrimas de uma misteriosa ternura aos olhos.

Lindas considerações, Mr. Shelley! E o que é a Vida?

A Vida e o mundo, ou qualquer que seja aquilo que denominamos onde estamos e sentimos, é algo surpreendente.

Hmmm…

Uma névoa de familiaridade obscurece de nós a maravilha de nossa existência. Podemos ser golpeados com algumas de suas modificações transitórias, mas a própria vida é o maior milagre de todos. O que são as mudanças do império, a ruína das dinastias, com as opiniões que as apoiam – o que é o nascimento e a extinção das religiões e dos sistemas políticos frente à vida? A vida, o grande milagre, não é admirada por nós, justamente por ser tão miraculosa.

Faz sentido.

Nós vivemos e, vivendo, perdemos a compreensão da vida.

O senhor acha que a vida continua após a morte?

Tem sido matéria de persuasão de uma imensa maioria de seres humanos em todas as eras e em todas as nações que continuamos a viver após a morte – isto é, depois do aparente término de todas as funções sensíveis e da existência intelectual. O sistema popular da religião sugere inclusive a ideia de que, após a morte, seremos dolorosamente ou prazerosamente afetados de acordo com as nossas determinações ao longo da vida.

Por que acha que a ideia de “sobreviver à própria morte” é atraente à grande maioria dos seres humanos?

O convencimento secreto que dá nascimento às opiniões de uma existência futura nasce do desejo que sentimos de existir para sempre e de nossa relutância a uma mudança bastante violenta, e ainda não experimentada.

Qual é a sua opinião pessoal?

Confesso que sou incapaz de recusar meu consentimento às conclusões daqueles que dizem que nada existe além do que é percebido.

Como assim?

Visto que não há razão para supor que nós tenhamos existido antes daquele período no qual nossa existência aparentemente se inicia, então não há nenhum fundamento para a suposição de que continuemos a existir depois que a nossa existência aparentemente termina.