O Brasil é um país exótico onde a polícia pratica tiro ao alvo com estudantes. Por Mauro Donato

Atualizado em 30 de março de 2016 às 10:39

estudantes merenda

 

No Projeto Escandinávia, bancado pelos leitores do DCM, Claudia Wallin fez uma definição brilhante sobre a Finlândia como sendo um “país exótico em que a polícia não pratica tiro ao alvo com professores.” Talvez devêssemos acrescentar os estudantes também.

Nesta terça-feira, enquanto a Ministra da Educação e Cultura da Finlândia, Sanni Grahn-Laasonen, participava de um seminário direcionado a educadores e professores no qual abordava os aspectos que fazem daquele país um exemplo em matéria de educação ocupando sempre as primeiras colocações nos mais variados rankings, um grupo de estudantes partia da avenida Paulista em direção à Assembléia Legislativa em mais uma jornada de protestos contra o fechamento de salas de aula e reivindicações por providências na apuração do escândalo da máfia da merenda escolar.

A descrição de Claudia Wallin veio-me novamente à cabeça quando os alunos chegaram na ALESP. Tão logo tentaram bloquer o trânsito, foram “dispersados” pela polícia. É curioso de fato acharmos exótico onde isso não ocorra, por tão acostumados que estamos em viver num país em que um bando de cretinos, puxa-sacos de patrão que faz campanha por ‘menos impostos’, pode interromper uma importante avenida por mais de 40 horas mas se professores ou estudantes o fizerem serão atacados violentamente em menos de 10 minutos.

Há um abismo tão grande entre o Brasil e a Finlândia que quando colocados próximos como ontem (brasileiros na Paulista e finlandeses em Higienópolis), o contraste deixa muito evidente que existe bem mais que um oceano entre eles.

Enquanto a ministra tecia comentários sobre metodologias de um dos melhores sistemas educacionais do mundo, onde o ensino é obrigatório dos 7 aos 16 anos, mas menos de 1% interrompe os estudos depois disso, aqui estudantes precisam ir às ruas para reivindicar a merenda (e pelo Censo Escolar de 2015 divulgado na semana passada pelo Ministério da Educação, o Brasil possui 3 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos fora da escola).

Enquanto na Finlândia há salas com 8 a 36 alunos no máximo (mas calma, a Secretária de Estado, Heljä Misukka, afirmou que foram investidos 30 milhões de euros para reduzir essas salas), por aqui alunos enfrentam superlotação e apanham da polícia porque não querem que suas escolas fechem ainda mais turmas. Tomam golpes de cassetete por desejar um ensino de qualidade.

Enquanto o Estado finlandês investe cerca de 30 milhões de dólares por ano no desenvolvimento profissional de professores e diretores de escola, numa sistemática valorização do magistério que faz a carreira ser mais procurada que Direito ou Arquitetura e cuja admissão é mais difícil que entrar em Medicina, por estas bandas temos Geraldo Alckmin anunciando cancelamento de bônus e propondo um reajuste de 2,5% para uma categoria que não tem seus ganhos atualizados há dois anos.

Enquanto eu ouvia sobre ‘Como tornar a escola atraente’ e admirava desde a arquitetura até o mobiliário das salas de aula que favorecem a interação de alunos e professores, lembrava das nossas escolas com salas quentes e abafadas, com goteiras que interrompem a lição a cada chuva, nos banheiros sem papel higiênico.

O seminário realizado pela Embaixada da Finlândia no Brasil, pelo Consulado Geral da Finlândia e por uma instituição de ensino privado era aberto ao público. A reportagem do DCM questionou aos alunos que participavam do protesto na avenida Paulista – a maioria estudante das escolas estaduais Fernão Dias Paes, Alves Cruz e Maria José – se tinham conhecimento do evento que ocorria há poucos quilômetros dali. Nenhum deles sabia.

Se comunicadas pelo departamento de divulgação do evento, as diretorias das escolas estaduais fizeram questão de não repassar a informação aos estudantes. Conhecer sobre a Finlândia causaria um problema? É provável, já imaginou o que passaria na cabeça desses jovens ao saberem do método conhecido como “phenomenon learning”, no qual os alunos se apropriam do processo de aprendizagem, podem escolher o tema de seu interesse e planejar o desenvolvimento deste assunto com os professores?

Sintoma de enfermidade da nossa sociedade: após acompanhar a manifestação dos secundaristas, voltei ao colégio particular no qual ocorria o seminário e, no elevador, troquei algumas palavras com os estudantes dali e descobri que também eles não sabiam de que naquele momento ocorria um protesto de alunos da rede pública. Enquanto na Finlândia todas as escolas são públicas e os filhos do prefeito e do lixeiro sentam-se lado a lado, aqui vivemos este apartheid repugnante.

Quando alertei à Ministra Sanni Grahn-Laasonen sobre o protesto que ocorria naquele momento e solicitei um comentário, ela respondeu que desconhecia nossa situação com a profundidade necessária e preferia não comentar questões políticas internas. Insisti: “Não é sobre política, é educação”, acreditando que ela talvez tivesse pensado no quadro mais amplo de nosso momento. “Educação é política”, ela respondeu.

Uma pobre Finlândia resolveu priorizar a educação nos anos 70 (e não, os finlandeses não são diferentes de nós: à época alguns setores da sociedade disseram que não seria possível ter as mesmas expectativas em relação a crianças de diferentes estratos sociais, que nivelaria por baixo, e bla bla bla). Os resultados começaram nos anos 90 e as inovações nunca mais pararam.

Ou seja, no dia em que estabelecermos que educação é prioridade zero (e não uma das), precisaremos ainda assim gramar muito para depois de uns 20 anos vermos surtir algum efeito.

Aquele evento por si só já retratava a distância entre os dois mundos e a decisão política tomada por cada um deles. Bancado por instituições privadas, o seminário sobre educação ministrado por uma delegação de especialistas finlandeses deveria ter sido organizado e patrocinado pelo governo federal ou estadual, tanto faz. Mas por poderes públicos voltados ao ensino.

Mas aqui a decisão política é a de manter a educação pública sucateada. Alguns dias antes do governador de São Paulo cancelar o bônus aos professores, concedeu a bonificação aos policiais militares. Não se trata de dinheiro, mas de política.