O Brasil na manjedoura, saudado pelo mundo, e a enfermeira que filmou Neymar

Atualizado em 8 de julho de 2014 às 18:53

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OK, óbvio, a enfermeira que gravou o vídeo de si mesma atendendo (?) Neymar quando ele chegava com a vértebra lombar fraturada no hospital de Fortaleza tinha que ser punida. Perdeu o emprego e com razão. O evento, e sua bizarrice, no entanto, me fazem refletir sobre dois pontos.

1. A era do selfie

Tudo tem que ser registrado, de preferência com o registrador em quadro. E tudo tem que ser divulgado nas redes sociais. O sujeito fica de costas para se fotografar com a Mona Lisa, no Louvre. E vai embora, sem olhar diretamente para a obra. O importante é ter mostrado para os outros que esteve lá. Tem ostentação de toda ordem nisso – econômica, intelectual, de escolhas e atitudes etc. Mas tem uma cultura midiática também em que todos nós nos tornamos emissoras 24/7 que não podem nunca sair do ar. Num jantar íntimo fotografamos o prato e o vinho para postar. Deixamos de assistir um show ao vivo para comentá-lo. Tuitamos em velório etc. O fato de eu estar aqui, pensando em público, nesse momento, em vez de apenas guardar essa reflexão para mim, é parte desse novo mundo. Como o registro fora de hora e sem noção da enfermeira cearense.

2. E o selfie institucional?
E as centenas de fotos e de vídeos e de autógrafos cedidos aos patrocinadores na concentração dos atletas, das equipes de TV ostensivamente instaladas na Granja Comari? OK, esse assédio é controlado e espero que nenhum atleta tenha perdido um minuto sequer de descanso ou de treinamento para atender a esse ou aquele desejo de “ostentação” dessa ou daquela presença dos “amigos” da Seleção. Mas tenho cá minhas dúvidas.

NEYMAR, NEYMAR, NEYMAR

Bom perfil de Neymar, e do que Neymar significa para o Brasil, na Sports Illustrated. Sim, é análise semiótica. Sim, é sobre Neymar e sobre ser brasileiro. Sim, é na Sports Illustrated. (Sabe quando a Jennifer Lawrence apareceu, aquela figura meio sexy, meio estranha, da qual a gente não conseguia tirar os olhos? Esse é o Brasil aos olhos do mundo nessa Copa.) O artigo, Neymar’s cultural significance to Brazil transcends soccer, World Cup, ou “O significado cultural de Neymar para o Brasil transcende o futebol e a Copa do Mundo”, diz o seguinte: “Muitas pessoas não gostam de Neymar. Particularmente na Inglaterra, território do futebol ‘agudo e angular’, onde dizem que Neymar cai muito e que é egoísta e enganador. Mas ser malandro não é uma postura encorajada na Inglaterra. Nem lançar mão do jeitinho. O lema na Inglraterra é o bem coletivo, e o trabalho duro e consistente e o jogo limpo, e nada disso soa muito como jeitinho. Duro, o meio campo Joey Barton gosta de chamar Neymar de pônei amestrado. Ao que Neymar provavelmente responderia: melhor ser um pônei amestrado do que um cavalo de corrida, Joey.”

O New York Times publicou For Bellicose Brazil, Payback Carries Heavy Price: Loss of Neymar, ou “Para um Brasil belicoso, o troco teve um preço caro: a perda de Neymar”. O artigo de Sam Borden sugere, de algum modo, que foi a violência do Brasil no jogo contra a Colômbia que gerou as condições para a grava contusão de Neymar, numa lógica de culpabilizar a vítima, de ‘você pediu por isso’. Diz o texto: “Então o que aconteceu com Neymar? Como o rosto desta Copa terminou num hospital? Torcedores brasileiros não vão gostar de ouvir isso, mas se Zuñiga foi diretamente responsável pela contusão de Neymar, os companheiros de equipe de Neymar – especificamente Fernandinho, embora houvesse outros – , bem como o árbitro, Carlos Velasco Carballo, tem sua parcela de culpa também. Eles não cometeram o crime, mas eles contribuíram para o ambiente sem lei que levou Neymar a ser derrubado.”

Quase como uma resposta a esse artigo de Sam Borden, a Forbes pôs seus skills econômicos para fazer a contabilidade de Brasil vs Colômbia e jogar um pouco de racionalidade matemática contra as espumas emocionais que tomaram conta do debate. E quando isso acontece – New York Times e Forbes duelando sobre os eventos de uma partida de futebol – é porque, de novo, essa é a maior Copa de todos os tempos. Confira o belo material de Bobby McMahon: Neymar’s Injury And Brazil’s Brutality Against Colombia At World Cup – An Alternate View, ou “A contusão de Neymar e a brutalidade do Brasil contra a Colômbia na Copa do Mundo – uma visão alternativa”.

QUE COPA!

A Time dá o seu pitaco sobre quem vence a batalha de hoje no Mineirão: 5 Reasons Brazil Will Lose to Germany (and 3 Reasons It Won’t) – The pre-tournament favorite Brazil isn’t playing much like it at the moment. Here’s why Brazil could lose in the World Cup 2014 semifinals to Germany, ou “5 razões pelas quais o Brasil vai perder para a Alemanha (e 3 razões por que ele não vai) – Brasil, o favorito antes do torneio, não está jogando para fazer jus a esse favoritismo. Veja aqui por que o Brasil pode perder para a Alemanha nas semifinais”.

Não sei quanto a você, mas a Alemanha é o meu segundo time na Copa. Eles nos amam. E nos deram todos os motivos para amá-los de volta. Veja esse clipe que reúne as melhores imagens geradas pela delegação alemã desde sua chegada ao Brasil. Tudo muito bem planejado, desde a escolha de Santa Cruz de Cabrália com QG até a camisa rubro negra com a qual eles jogarão hoje. E tudo muito sincero e espontâneo também.

E SE DECIDIRMOS QUE AQUI NÃO É A CASA DA MÃE DA JOANA?

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Preste bem atenção. O esquema dos cambistas não é brasileiro, é gringo; e a polícia que prendeu os suspeitos não é gringa, é brasileira. Uma outra boa surpresa e uma outra ótima inversão de expectativas trazida por essa Copa.

Em artigo assinado por Astrid Prange, a Deutsche Welle (DW), diz que “o Brasil não é um país que se entrega de joelhos para a Fifa, mas uma democracia e um Estado de Direito. Mas a Fifa parece não ter entendido isso.”

A melhor Copa de todos os tempos tem sido épica e inesquecível em vários aspectos. E essa troca de posições parece coisa de romance de Alexandre Dumas ou de filme com Errol Flynn: o Brasil, eterno underdog, sai como o grande vencedor do evento, e a FIFA, se cristaliza como a grande vilã. Sepp Blatter é definitivamente o Imperador Palpatine da vida real. E a polícia brasileira, num dos tantos “quem diria” dessa Copa, brilha internacionalmente, como se a frota estelar rebelde libertando a galáxia.

Nos falta só um dia de “comeback kid” para o Fred. Pode ser hoje ou domingo.

O MELHOR FUTEBOL DO MUNDO

Para encerrar por hoje e começar a entrar no clima, expresso aqui um desejo impossível: assistir a um clipe individual, de 20 minutos cada, com as grandes jogadas de Di Stefano, Puskas, Leônidas da Silva, Didi, Zizinho, Domingos da Guia, Ademir da Guia, Nilton Santos, Friedenreich, Tesourinha. Com o padrão de imagens da FIFA em 2014. Aqui, como paliativo, tem 4 minutos de Di Stefano, para quem, como eu, nunca tinha visto. Ele morreu ontem, três dias depois de completar 88 anos.