Um dia vivendo a experiência real da Copa do Mundo no Brasil

Atualizado em 23 de junho de 2014 às 15:11

 

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Boa matéria do Zócalo Public Square, linkada pelo Business Insider: The Story Of How Brazil Modernized Soccer And Soccer Modernized Brazil, ou “A história de como o Brasil modernizou o futebol e o futebol modernizou o Brasil”, montada a partir de dois livros lançados recentemente, “Futebol Nation: The Story of Brazil through Soccer”, de David Goldblatt, e “The Country of Football: Soccer and the Making of Modern Brazil (Sport in World History)”, de Roger Kittelson, ambos ainda sem versão em português. Uma boa análise sociológica do Brasil e da sua paixão pelo futebol. E de como uma coisa ajuda a entender a outra.

Em tempo: o Zócalo Public Square é um projeto do Center for Social Cohesion at Arizona State University, e se constitui num espaço digital “sem fins lucrativos, para a troca de ideias, que mescla eventos em tempo real e jornalismo de humanidades”.

Em matéria do The Guardian, a economia das favelas é revelada ao mundo, sem os clichês de sempre: The World Cup will be a huge boost for Brazil’s Favelas, ou “A Copa do Mundo vai gerar muitos negócios nas favelas brasileiras”. A reportagem começa dizendo que “Mary Santos da Silva espera conseguir construir um andar a mais sobre a laje da sua casa. Moradora de Alto de Ondina, um bairro com vista para o mar em Salvador, Mary é uma das várias moradoras de favelas que estão alugando as suas casas, apartamentos e quartos para os turistas que visitarão o país durante a Copa do Mundo.” As favelas compõem uma parte do Brasil que nós mesmos, brasileiros de classe média, desconhecemos. E, no entanto, há milhões de brasileiros vivendo lá, e produzindo uma cultura com muitos aspectos interessantíssimos.

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O BRASIL POR AQUI

O que você deplora em Brasília começa na sua casa, na sua rua, no seu trabalho, nos pequenos gestos que você toma no dia a dia. A corrupção brasileira está tanto aí, nas pequenezas e nos trocados, quanto nas instituições e nas negociatas milionárias. Na terça passada, três torcedores do Rio de Janeiro teriam entrado no Castelão, em Fortaleza, para assistir Brasil vs México, sem ingresso, pagando 500 reais cada um a um funcionário lotado nas catracas.

A Arena Amazônia é um lindo e caro elefante branco incrustrado em Manaus. O que faremos com ele depois do quarto e último jogo pela Copa do Mundo?

Algumas ideias que surgiram no meu Facebook:

“Vai ser o novo Bumbódromo! Boi Garantido x Boi Caprichoso em Manaus”

“Programar jogos do Campeonato Nacional por lá, tendo empresas aéreas e rede hoteleira com promoções legais, pra levar os brasileiros a Manaus. Se fôssemos realmente empreendedores…”

“Por uma fonte não oficial, fiquei sabendo que o governo do estado quer multiplicar exponencialmente o número de turistas, a previsão é de muitos outros milhões até 2020, com pelo menos metade de dinheiro estrangeiro, principalmente europeu e asiático.”

E você, o que sugere?

MAIS SOBRE A SOCIOLOGIA DO FUTEBOL NO BRASIL

Benzema
Benzema

Os jogadores franceses e belgas, entre outros, não devem ter entendido porque foram vaiados, contra, por exemplo, Honduras e Argélia. Nada pessoal, guys. É que adoramos torcer pelo mais fraco. Exatamente pela marcada desigualdade brasileira, por termos tão fendida essa diferença entre fortes e fracos entre nós, nossa postura resulta nessa demagogia: vamos ao estádio ver Benzema – mas o vaiamos. E torcemos secretamente, e paradoxalmente, tanto para que o craque nos mostre tudo o que sabe fazer, quanto para que o time mais fraco opere um milagre e vença o mais forte. A coisa de aplaudir o mérito e de apupar a inépcia, sem olhar de onde eles vem, não é para nós. Isso é coisa de lugares mais equilibrados e de povos mais homogêneos. Temos dificuldades com a meritocracia. Navegamos melhor por entre rótulos populistas e outras cartas marcadas.

UM BOM LEGADO DA COPA

Estádio com lugar marcado é assim: meia hora antes está vazio, na hora está cheio. Bom para todo mundo. Isso é novidade para nós, que temos que chegar com duas horas ou mais de antecedência para garantir um bom lugar. Em qualquer outro lugar do mundo, você chega meia hora antes. Se a gente, aqui no Brasil, com 12 estádios padrão FIFA, voltar a operar pela ordem de chegada, seremos burros demais. Vencemos esse primitivismo nos cinemas. Conseguiremos vencê-lo nos estádios? Não há motivo para que não o façamos. Exceto a nossa indolência em operar por regras sensatas que valem para todos, ao invés da insensatez do cada um por si, que tanto nos encanta.

ONDE VOCÊ ESTÁ ASSISTINDO A COPA?

Em enquete que fiz no Facebook, das mais de 80 pessoas que a responderam…

34,2% veem na Sportv. Motivos: Milton Leite, Luiz Carlos Jr e Marcelo Barreto.
23,8% veem na ESPN. Motivos: time de especialistas, PVC, Marcelo Duarte.
19,1% veem na FOX. Motivos: Paulo Bonfá e Falcão.
12,3% veem na Band. Motivo: Teo José e estilo popular. Rejeição a Neto.
10,9% veem na Globo. Motivo: Cléber Machado. E grande rejeição a Galvão, comentaristas e convidados.

E você, assiste a Copa onde? E por quê?

UM DIA DE COPA

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Você só cai dentro da Copa de verdade se for assistir a um jogo. Se sair de casa e viver uma experiência de Copa em carne e osso. Eu fiz isso no sábado. Acordei às 6h, saí de São Paulo, às 9h, com 15 graus, e cheguei em Fortaleza às 13h para assistir Alemanha vs Gana às 16h, com mais de 30 graus, e voltei a São Paulo às 21h, com direito a uma escala em Natal, chegando de volta em Guarulhos às 3h. Isso é Copa.

Não sei como estão as Fan Fests oficiais, mas posso dizer, agora por experiência própria, que as ruas da Copa estão sensacionais. Essa talvez seja a Copa das ruas, a festa do futebol que extravasa os espaços oficiais, os cordões de isolamento e os próprios estádios, embalada na informalidade e na hospitalidade brasileiras. Ontem, em Fortaleza, num boteco daquele entorno pobre do estádio, dividiam uma mesa de plástico alemães, argentinos e japoneses. Todos com um espetinho de churrasco na mão, comendo salgados fritos e tomando cerveja (5 reais a Heineken e 4 reais Brahma e Skol) e pagando 2 reais pela garrafa de água. Preços justíssimos, integração absoluta, felicidade geral.

Vendo aquela pérola, aquela nave espacial espetacular que é o Castelão, encravada numa região pobre de uma capital do Nordeste brasileiro, me ocorreu que a questão do subdesenvolvimento em nossas cidades é simplesmente o quão longe as favelas estão. Mas elas sempre estão lá. Se um país rico é um país sem pobreza, e eu tendo a concordar com esse slogan do governo federal (embora divirja dos modos de avançar nessa questão), é preciso considerar que ainda há muita pobreza entre nós.

Alemanha vs Gana, um dos melhores jogos da Copa até aqui, foi um evento em que tudo aconteceu: polonês invadindo o campo com mensagens supostamente nazistas desenhadas no corpo, briga na torcida (entre um sujeito com camisa da Alemanha e outro com a camisa do Fluminense!), alemão desobedecendo a determinação de não haver banner presos ao estádio, amarrando bandeiras, tendo suas bandeiras confiscadas pelos seguranças e deflagrando no estádio inteiro um coro de “FIFA Raus!” (Fora FIFA!). Teve Boateng (Prince, jogando por Gana e sendo vaiado pelos alemães como um Diego Costa) contra Boateng (Jérôme, o irmão que decidiu jogar pela Alemanha, que o acolheu, e não por seu país de origem), teve uma Alemanha acuada por uma Gana e teve o décimo quinto gol de Klose em Copas do Mundo, bem à minha frente, no primeiro toque que deu na bola, assim que entrou.

Ao meu redor, no estádio, um norueguês, um tiozinho de Belém, empunhando uma bandeira do Remo, um ganês, um israelense e um japonês. Vi gringo bêbado, fazendo xixi na rua (não sei se por falta de banheiro ou por falta de educação). Gringo deixando o lixo organizado em cima da mesa de carregar celulares no aeroporto – mas sem colocar no lixo. Gringo deixando o celular ligado durante a aterrissagem.

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E no voo de volta, ao meu lado, o casal mexicano, de Phoenix, Arizona, pela primeira vez no Brasil, me disse que eles quase não vieram, por medo. Tinham adorado o Brasil. Tudo funcionou bem, não acharam caro e lamentavam estarem indo embora tão cedo. Do que mais gostaram? “De la gente brasileña. Muy amables, todos.”