O caso Bolsonaro: dar as costas ou jogar o cinzeiro?

Atualizado em 19 de novembro de 2014 às 14:56

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O jornalista Eustáquio Gomes, que deploravelmente nos deixou há poucas semanas, conta em O Mandarim que alguns dias depois da publicação do AI 5, em dezembro de 1968, José Fonseca Valverde, general da reserva, físico com PhD em Stanford e chefe das Engenharias da Unicamp, compareceu a uma reunião da comissão de ensino carregando um revólver dentro da valise. “Abriu a valise, colocou o revólver na mesa e disse: ‘Agora tem lei neste país. Vou botar todos esses comunistas na cadeia.’”

Só que César Lattes estava lá. O físico, que em 1947, com 23 anos de idade, havia confirmado experimentalmente a existência do meson pi, partícula responsável pela coesão dos componentes do núcleo do átomo – e que tinha um cachorro chamado Costa e Silva – , jogou na direção de Valverde um “pesado cinzeiro de vidro”, que passou raspando pela cabeça do general. “Pois eu mijo nesse revólver.”

Na terça-feira (1º de abril), parlamentares deram as costas a Bolsonaro, um ex-militar sem PhD, bufão reacionário, apologista da repressão, em protesto contra seu discurso pró ditadura. Não o impediram de falar, não colocaram revólver na Mesa Diretora nem jogaram cinzeiro, já que não se pode mais fumar no Plenário. Que falasse, muito embora para mim este falastrão já devesse ter sido cassado por falta de decoro parlamentar há muito tempo.

Ainda que, se fosse eu obrigado a escolher, optasse pela reação de Lattes, o dar as costas a Bolsonaro ilustra bem um ensinamento de Norberto Bobbio: em A Era dos Direitos, o filósofo político italiano afirma que só a “tolerância negativa” (a indiferença) é ilimitada, e “por isso mesmo, termina por desacreditar a própria ideia de tolerância”. Mas a tolerância deve ter limites, e o único critério razoável é o seguinte: “deve ser estendida a todos, salvo àqueles que negam o princípio da tolerância; todos devem ser tolerados, salvo os intolerantes”.

Aliás, nossa Constituição e nosso Código Penal têm normas claríssimas a respeito: “Constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático” (artigo 5º, incisco XLIV). Você dirá: Bolsonaro não é membro de grupo armado. Fato, até onde sei. Mas o código pune claramente a incitação e a apologia de crime (artigos 286 e 287). Não é o que Bolsonaro vive fazendo?

Como era seu hábito, logo em seguida Bobbio problematiza o princípio geral que formula. “Responder ao intolerante com a intolerância pode ser formalmente irreprochável, mas é certamente algo eticamente pobre e talvez também politicamente inoportuno. Não estamos afirmando que o intolerante, acolhido no recinto da liberdade, compreenda necessariamente o valor ético do respeito às ideias alheias […] Mas é melhor uma liberdade sempre em perigo, mas expansiva, do que uma liberdade protegida, mas incapaz de se desenvolver.”

O que fazer com Bolsonaro, então? Como não seria recomendável acertar-lhe um cinzeiro bem no meio da testa, o mínimo é virar as costas, mas sempre! Aliás, não só para ele, como também para certos jornais, âncoras de TV e institutos de pesquisa cuja sem-vergonhice na mal-disfarçada apologia de tudo que não presta chegou aos limites do criminoso.