O caso dos vídeos sobre Aécio Neves que estão sendo censurados no YouTube

Atualizado em 4 de novembro de 2014 às 12:42

Captura de Tela 2014-10-14 às 19.40.18

 

O documentário “Helicoca — o helicóptero de 50 milhões de reais”, produzido pelo DCM, foi retirado do YouTube por causa de uma reivindicação de direitos autorais.

O responsável pelo pedido, um certo “Jorge Scalvini”, não existe. É um perfil fake da internet. Recorremos ao Google há uma semana, mas até agora nada. Isso é resultado de uma prática kafkiana chamada “notice and take down”, em que o autor é obrigado a provar ao YouTube que existe, enquanto o denunciante só necessita de um CPF.

A derrubada do “Helicoca” está longe de ser um episódio isolado. Há pelo menos dois casos similares. Ambos envolvem Aécio Neves.

O primeiro é o do instigante “Liberdade, Essa Palavra”, filme sobre o qual já falei aqui. Foi o trabalho de conclusão do curso de jornalismo de Marcelo Baêta. “Liberdade…” trata da relação da imprensa mineira com o governo de Aécio em seu primeiro mandato (2003/2006).

São várias histórias sobre a pressão da administração aecista sobre jornalistas e as demissões que decorreram dela. Andrea Neves, irmã e braço direito, é um dos personagens principais. Na época, o PSDB mineiro colocou no ar uma resposta acusando Baêta de “petista” e seu trabalho de “manipulação” e “fraude”.

O original de “Liberdade, Essa Palavra” (um verso de Cecília Meireles) foi abatido do YouTube por causa de — adivinhe — reivindicação de direitos autorais.

A trajetória de “Gagged in Brazil” (“Amordaçados no Brasil”) não é muito diferente. Foi escrito e dirigido por Daniel Florêncio para a Current TV, canal por assinatura e portal da web criado por Al Gore.

Tema e período são os mesmos da obra de Baêta. Daniel mostra a cumplicidade da mídia com o projeto de poder de Aécio. Uma editora da TV Globo aparece, sem ser identificada, relatando que a emissora esperava que Aécio estivesse “do lado da Globo”.

Uma matéria no Jornal Nacional elogiava o “déficit zero” nas contas públicas do estado. Logo após a “notícia” narrada por Fátima Bernardes, entrava nos comerciais um anúncio do governo de MG repetindo quase ipsis verbis o que a âncora relatara.

“Gagged” foi ao ar na Current TV no Reino Unido e nos EUA em maio de 2008. Uma semana mais tarde, foi postado no YouTube, com legendas, e bombou em pouco tempo.

Quatro meses depois, sairia da Current.com. Florêncio — que mora em Londres há dez anos — escreveu no Observatório de Imprensa que sua editora lhe esclareceu o seguinte: “Os executivos seniors do canal nos EUA receberam cartas com severas considerações e críticas sérias em relação ao filme. As cartas foram enviadas pelo PSDB de Minas Gerais. O PSDB afirmava que meu filme tinha caráter político-partidário, que não representava a realidade no estado e questionava minha conduta ética”.

Por desejo do diretor de programação David Newman, o gerente de jornalismo Andrew Fitzgerald deu início a uma investigação. “Elaborei dossiês, contatei minhas fontes no Brasil, e escancarei meus procedimentos para Andrew Fitzgerald”, diz Daniel. Fitzgerald o avisaria, afinal, que “Gagged in Brazil” estava de volta à Current TV.

No YouTube, porém, o desfecho foi outro. No dia 3 de fevereiro deste ano, Florêncio recebeu um alerta de um desconhecido, querendo saber o que houve com o filme. Quando clicou no link, pumba!: infração de copyright, requisitado por um certo Gabriel Amâncio. Ganha um pão de queijo quem acredita que Gabriel Amâncio é um cidadão de carne, osso, miolos e músculo.

Como no caso de “Liberdade”, outras versões estavam disponíves. Mas a eliminada contava com quase meio milhão de visitas, além dos links em sites, blogs e nas redes sociais. Na internet, a relevância varia de acordo com o número de links e visitas. O objetivo era fazer com que o documentário se tornasse irrelevante no Google, Bing, Yahoo etc.

O PSDB perpetrou um vídeo-resposta a “Gagged” que explodiu milagrosamente no YouTube. Os comentários, veja só que curioso, eram de países da Ásia, África, Europa. Todos falsos. Daniel explicou a ciência por trás dessa façanha num outro filme curto, que eu posto abaixo. Basicamente, é um spam. Assista enquanto Jorge Scalvini não dá as caras.

Aécio tem processos contra Facebook, Twitter e Google. Quem o representa é o escritório de advocacia Opice Blum, tido como autoridade em direito digital. Segundo um perfil do candidato na Piauí, seu contrato é como pessoa física.

Uma advogada afirmou à revista que as ações contra buscadores fazem referência a “uma mentira que espalharam na rede dizendo que o senador é acusado em ação judicial promovida pelo Ministério Público de ter desviado 4,3 bilhões de reais”.

Foi o Opice Blum que moveu a ação contra o Twitter para descobrir os dados cadastrais de 66 contas que, supostamente, fariam parte de uma “rede virtual de disseminação de mentiras e ofensas”. Uma dessas contas é a do DCM.

Noves fora a onda de repulsa que essas arbitrariedades causam, a cada vídeo retirado aparecem outros, num efeito multiplicador. O “Helicoca”, por exemplo, tem cinco versões no YouTube no momento em que digito estas maltraçadas. Sem contar as do Vimeo e as do Daily Motion. Existem outras tantas de “Gagged” e de “Liberdade, Essa Palavra”.

Já dizia a fabulosa Hannah Arendt: “Somente quando as coisas podem ser vistas por muitas pessoas, numa variedade de aspectos, sem mudar de identidade, de sorte que os que estão à sua volta sabem que vêem o mesmo na mais completa diversidade, pode a realidade do mundo manifestar-se de maneira real e fidedigna”.

Marina Silva citava Hannah Arendt com frequência. Não sei se Aécio Neves tem ideia de quem se trata.