O ciclopopulismo está fazendo mais vítimas que o trânsito violento de São Paulo

Atualizado em 17 de março de 2013 às 14:18

Nna Câmara Municipal, no Twitter e no Facebook, vereadores fazem fila para discursar em defesa da bicicleta e dos ciclista paulistanos — mas na prática sua ação é nula.

Ciclistas protestam em São Paulo
Ciclistas protestam em São Paulo

 

Mais um ciclista foi atropelado em São Paulo. Não, ele não morreu, está internado e não corre risco. David Santos de Souza perdeu “apenas” o braço direito, que o motorista que o atropelou, Alex Kosloff Siwek, jogou num dos córregos infectos de SP. Só isso. O acidente ocorreu na avenida Paulista no último domingo às 5h50m da manhã, quando a avenida está completamente vazia e Kosloff – não confunda com Orloff – ziguezagueava pela avenida central da cidade em alta velocidade.

A equipe de cirurgiões que atendeu o ciclista passou horas esperando que os bombeiros localizassem o braço atirado por Kosloff no fundo do esgoto a céu aberto, um córrego famoso cujo nome é Ipiranga, às margens do qual um imperador nos declarou livres e independentes do colonialismo que representava. Em vão. Não havia mais nada a fazer a não ser suturar as feridas. Além de repudiar o ocorrido, grupos de ciclistas anunciam uma coleta de fundos para doar um braço mecânico a David.

David partiu do subúrbio de Diadema, na zona sul da cidade, para fazer seu serviço e também esporte predileto: limpeza e rapel na fachada de um edifício envidraçado próximo ao Hospital das Clínicas, onde está internado. Saiu de casa às quatro da manhã para pegar no trabalho às seis.

Além da brutalidade, o crime chama a atenção para várias outras coisas. David é o típico ciclista paulistano que a nova administração do prefeito Fernando Haddad, do PT, pretende estimular: morador da periferia da cidade que já realiza percursos a pé ou de bicicleta para o trabalho. A quantidade de ciclistas em São Paulo ainda é pequena, mas vem aumetando continuamente, sem que a cidade tenha qualquer estrutura para isso, ainda. A probabilidade de acidentes com ciclistas, portanto, também está aumetando e nós estamos vendo isso claramente nas notícias de acidentes e mortes de ciclistas.

Embora chocante, crimes, violências e atropelamentos assim são muito frequentes em São Paulo.  A violência está instalada em São Paulo há muito tempo e não é só contra os ciclistas. A novidade é o incremento de ciclistas entre as vítimas. Eles tornaram-se mais numerosos e aumentaram as chances de eles se tornarem vítimas, numa cidade totalmente desprovida de estrutura cicloviária, cada vez mais necessária. Os motociclistas também já passaram por isso e são até hoje as maiores vítimas. Simples estatística. O ciclismo está provando que a percepção de uma cidade a partir do selim de uma bicicleta é diferente: a cidade não está apenas parada. Ela foi paralisada pela violência, que vai muito além do trânsito. Os ciclistas que nos demonstram isso, porém, pagam caro. A troca não é nada justa.

Enquanto isso, na Câmara Municipal, no Twitter e no Facebook, vereadores fazem fila para discursar em defesa da bicicleta e dos ciclistas. O ciclopopulismo vai de vento em popa, mesmo que os ciclistas pedalem contra uma ventania. O ciclopopulismo está fazendo mais vítimas do que o trânsito violento. Atirar milhares de ciclistas nas ruas sem um mínimo de estrutura, planejamento, preparação e nem mesmo uma campanha de comunicação bem produzida é uma irresponsabilidade coletiva. É como fazer teste de impacto de veículos com seres humanos no lugar dos bonecos. Dinheiro para isso há, é só usar a verba de comunicação da Prefeitura. Propaganda do governo não salva nem a vida dele, quanto mais a nossa…

Uma cidade que elege o Coronel Telhada vereador não está muito preocupada com Justiça, paz e segurança. As notícias mais recentes dão conta de que nesta semana ele votou contra a Comissão da Verdade Municipal, empregou parentes e doadores em seu gabinete e ameaçou uma jornalista. Nenhuma palavra sobre violência e mobilidade urbanas, nenhuma solidariedade ao ciclista pobre que perdeu o braço.

Quantos ciclistas não votaram nele com medo de “ladrões de bicicleta”, do mesmo modo que motoristas e seguradoras temem furto de veículos? A violência no trânsito anda na garupa da violência basal da cidade e não há como amputá-la, ao contrário do braço perdido do ciclista alpinista, lustrador das fachadas de espelhos que refletem uma cidade sitiada por si mesma.