O cinismo da Globo ao alegar que não sabia das negociatas do ex-diretor delatado no caso FIFA. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 15 de novembro de 2017 às 8:21
Marcelo Campos Pinto, da Globo, e Marco Polo del Nero

O empresário Alejandro Burzaco, um dos delatores do caso Fifa, acusou a Globo de ter pago propina por direitos de transmissão de competições ligadas à Conmebol, como Copa América, Libertadores e Sul-Americana.

Burzaco, que se entregou em 2015, disse que, por meio de sua empresa de marketing esportivo, subornava autoridades.

Segundo ele, Marcelo Campos Pinto, então diretor da área esportiva da Globo, se reuniu em 2012 num restaurante de Buenos Aires chamado Tomo Uno com Julio Grondona, presidente da AFA, José Maria Marin e Marco Polo Del Nero. No encontro, falaram de pagar 600 mil reais aos dois últimos.

Campos Pinto foi afastado da Globo três anos depois. Estava na casa desde 1994. Dava expediente na CBF e conduzia pessoalmente os contratos de mídia com as equipes nacionais.

Em 2011, com a implosão do Clube dos 13, conseguiu manter o futebol na Globo. A TV passou a ser a principal fonte de receita dos times.

No ano passado, segundo estudo do Itaú BBA, Globo e seus canais pagos injetaram R$ 1,210 bilhão nos 23 maiores deles, que arrecadaram R$ 3,113 bilhões no total.

A demissão foi em consequência do caso FIFA, que já despontava no horizonte. Em nota divulgada na terça, no entanto, a Globo garante que “se surpreende com o relato envolvendo o ex-diretor Marcelo Campos Pinto”.

“A ser verdadeira a situação descrita, o Grupo Globo deseja esclarecer que Marcelo Campos Pinto, em apuração interna, assegurou que jamais negociou ou pagou propinas a quaisquer pessoas”.

Ah, tá! Resolvida a questão.

O cinismo do comunicado é digno do grupo. A relação promíscua de Campos Pinto com os ladrões era absolutamente desavergonhada e conhecida. Quando tornou-se insustentável — graças à Justiça americana –, ele dançou.

Em 2015, Campos Pinto fez um discurso na festa de encerramento do campeonato paulista.

É uma elegia à picaretagem, sem qualquer meio tom, orgulhosa. Foi proferido no início de maio, alguns dias antes de Marin ser preso na Suíça a mando do FBI.

No palco, foi introduzido por Tiago Leifert. Reinaldo Carneiro Bastos, sucessor de Marco Polo Del Nero como presidente da FPF, mereceu lágrimas e voz embargada.

A Justiça americana investiga 24 anos de roubalheira. A Copa do Mundo é transmitida pela TV Globo desde 1970. 

Em 2011, Ricardo Teixeira ficou magoado com o que considerou uma traição. Fez chegar até alguns colunistas uma história de que tornaria públicas gravações de Campos Pinto manipulando horário de partidas para atender a seus próprios interesses.

As palavras de encorajamento de Pinto à quadrilha:

Mais importante do que comprar um campeonatos é conviver com o mundo do futebol. É um prazer imenso (…)

Excelentíssimo senhor Juan Ángel Napout, ilustre presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol. Excelentíssimo senhor Marco Polo Del Nero, presidente da Confederação Brasileira de Futebol, com quem tenho o privilégio de conviver assiduamente há mais de 11 anos.

Ilustríssimo presidente, ex-presidente, da Confederação Brasileira de Futebol, mas como muito bem acentuou Marco Polo, o eterno presidente José Maria Marin. (…)

2015 vai entrar na história do futebol brasileiro como um grande ano. O ano em que há poucas semanas o presidente José Maria Marin passou o bastão para o presidente Marco Polo.

Presidente Marin, em nome do grupo Globo, em meu nome, eu gostaria de agradecer todo o carinho, toda a atenção com a qual o senhor sempre nos brindou, sempre aberto a discutir os temas que interessam ao futebol brasileiro, dos quais me permito destacar, o novo formato da Copa do Brasil, que deu mais charme a essa competição promovida pela CBF, que é a verdadeira competição do futebol brasileiro. (…)

A sua visão de homem do futebol fez com que a CBF passasse a patrocinar essas competições e melhorasse o nosso futebol.

A Granja Comary, toda reformada, para a formação de nossos futuros craques. E por que não dizer da sede da CBF, a José Maria Marin? Presidente, o senhor inscreveu o seu nome na história do futebol, tendo sucedido um grande presidente, que foi Ricardo Teixeira.

Presidente Marco Polo, quero lhe dizer que repito as palavras de atenção e carinho, de colaboração, a você. Espero continuar essa parceria de sucesso que foi feita na Federação também na CBF. Desejo sucesso a você, não é uma dúvida, é uma garantia, dado o seu passado, de um homem que conhece profundamente o futebol.

Querido Reinaldo, fico até um pouco emocionado em lhe homenagear como um pai de família, como um amigo carinhoso, como uma pessoa que veio construindo seu nome no futebol e que sabe realmente o alfabeto do futebol que é tão complexo. O parabenizo, e também ao Marco Polo, pelo Campeonato Paulista de 2015, recorde de público e de renda quebrados, jogos eletrizantes, semifinais inacreditáveis, com estádios lotados, duas finais de tirar a emoção de todos nós, com públicos presentes e audiências jamais vistas.

Parabéns a todos vocês. Parabéns ao presidente Modesto Roma, do glorioso Santos. Parabéns ao presidente Paulo Nobre, do não menos glorioso Palmeiras. E um detalhe importante para encerrar e não tomar o tempo de vocês. Dois clubes que lutaram com dificuldades financeiras extremas, mas graças a dedicação e competência de seus dirigentes, que mostraram que administrações austeras também podem ser campeãs. Parabéns.