O colapso da civilização árabe poderá ser revertido?

Atualizado em 21 de setembro de 2014 às 10:48

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Publicado no site Politico. O autor, Hisham Melhem, é editor do Al-Arabiya, canal por satélite baseado em Dubai, e correspondente do Annahar, o jornal mais lido do Líbano. 

 

Com sua decisão de usar a força contra os extremistas violentos do Estado islâmico, o presidente Obama está fazendo mais do que entrar conscientemente num atoleiro. Ele está fazendo mais do que jogar com o destino de dois países quebrados -Iraque e Síria. Obama está pisando mais uma vez, e com compreensível grande relutância, no caos de uma civilização inteira que foi destruída.

A civilização árabe, tal como a conhecíamos, não existe mais. O mundo árabe hoje é mais violento, instável, fragmentado e conduzido pelo extremismo — o extremismo dos governantes e da oposição — do que em qualquer outro momento desde o colapso do Império Otomano há um século.

Toda a esperança da história árabe moderna foi traída. A promessa de emancipação política, o retorno da política, a restauração da dignidade da pessoa humana anunciada pela temporada de revoltas árabes em seus primeiros tempos áureos – tudo deu lugar a guerras civis, a divisões étnicas, sectárias e regionais e à reafirmação do absolutismo, tanto em sua forma militares quanto nas atávicas.

Com a exceção duvidosa das monarquias antiquadas e dos emirados do Golfo, que no momento estão mantendo-se contra a onda de caos e, possivelmente, da Tunísia, não há legitimidade reconhecível no que restou no mundo árabe.

É alguma surpresa que, como os vermes que assumem uma cidade em ruínas, os herdeiros desta civilização sejam os bandidos niilistas do Estado Islâmico?

Nenhum paradigma ou teoria podem explicar o que deu errado no mundo árabe no século passado. Não há um conjunto óbvio de razões para as falhas colossais de todas as ideologias e movimentos políticos que varreram o mundo árabe: o nacionalismo árabe, em suas formas Baath e Nasserite; vários movimentos islâmicos; o socialismo árabe; os monopólios estatais e vorazes rentistas, deixando em seu rastro uma série de sociedades quebradas. Nenhuma teoria pode explicar a marginalização do Egito, uma vez que o centro de gravidade política e cultural no Oriente árabe, e sua breve e tumultuada experiência com a mudança política pacífica foi revertida para o regime militar.

Nem a noção de “antigos ódios sectários” é adequada para explicar a realidade assustadora que se alonga desde Basra, na foz do Golfo Pérsico, a Beirute, no Mediterrâneo, com a sangria quase contínua entre xiitas e sunitas — a manifestação pública de uma batalha épica geopolítica de poder e controle envolvendo o Irã, a potência xiita, contra a Arábia Saudita, a potência sunita, e seus aliados.

Não há uma única explicação abrangente para a tapeçaria de horrores na Síria e no Iraque, onde nos últimos cinco anos mais de um quarto de milhão de pessoas morreram, onde cidades famosas como Aleppo, Homs e Mosul foram visitadas pelo terror moderno de Assad e a violência brutal do Estado Islâmico.

Como pôde a Síria se auto destruir e se tornar — como a Espanha nos anos 30 — a arena para árabes e muçulmanos lutarem de novos suas guerras civis?

A guerra travada pelo regime sírio contra civis em áreas da oposição combinou o uso de mísseis Scud, bombas, bem como táticas medievais contra cidades e bairros como o cerco e fome. Pela primeira vez desde a Primeira Guerra Mundial, os sírios estavam morrendo de desnutrição e fome.

A história do Iraque nas últimas décadas é a crônica de uma morte anunciada. A morte lenta começou com a decisão fatídica de Saddam Hussein invadir o Irã, em setembro de 1980 e os iraquianos estão vivendo no purgatório desde então, com cada guerra dando à luz outra. Em meio a esse caos suspenso, a invasão dos EUA em 2003 foi um catalisador que permitiu que o caos violento retomasse com força total.

As polarizações na Síria e no Iraque — política, sectária e étnica — são tão profundas que é difícil ver como esses países outrora importantes poderiam ser restaurados como estados unitários. Na Líbia, 42 anos de reinado de terror de Muammar al-Qaddafi fraturaram sua unidade já tênue.

As facções armadas que herdaram o país exausto o colocaram na rota de quebrá-lo — de novo, sem surpresa — com fissuras tribais e regionais. O Iêmen tem todos os ingredientes de um estado falido: divisões políticas, sectárias, tribais, num contexto de deterioração econômica e um lençol freático empobrecido que poderia transformá-lo no primeiro país do mundo a ficar sem água potável.