O confronto entre índios e ‘não-índios’ na Amazônia não pode ser considerado imprevisível

Atualizado em 24 de outubro de 2014 às 16:21

humaita amazonas

O acirramento e a virulência do confronto entre índios e não índios nas proximidades da reserva dos tenharim em Humaitá (AM) não podem ser considerados imprevisíveis. Muito menos restritos àquela região.

Há muito que a questão indígena é tratada com descaso e não digo isso com romantismo pró-índios. O tema é profundo e desembocar nesse rio violento era uma questão de tempo graças à polarização que a falta de debate e de transparência causaram (daí sim gerando opiniões apaixonadas e irracionais).

A ocorrência passou a ser tratada pela grande mídia de forma a condenar os índios pelo desaparecimento de três homens mas tudo começou antes, com a mesma postura no outro lado da moeda: com o blog da Funai destilando suspeitas sobre a morte por atropelamento do cacique Ivan Tenharim, o que fomentou a ira dos índios contra aquilo que consideraram mais uma brutalidade dos caras-pálidas. Os dois lados (mídia grande X mídia pequena) incorrem em tratamentos parciais e apaixonados, o que só piora a situação.

A falta de políticas indigenistas consistentes e duradouras está elevando a violência a um patamar preocupante. E a grande massa irá tomar o partido da grande mídia, algo como já ocorre entre classe média e favela. Mocinhos e bandidos, a maniqueísta visão do senso comum.

Os governos brasileiros (tanto este como os anteriores) assistem a isso como quem nada tem a ver com o pato. Pior, a meu ver essa postura tem algo de intencional.  Que dispute o predomínio “na mão grande”. Foram os belgas que “inventaram” uma divisão entre hutus e tutsis em Ruanda e que terminou em sangrenta guerra civil. O distanciamento secular que os governos brasileiros têm dedicado ao assunto faz com que seu papel se assemelhe ao de um colonizador estrangeiro, tamanho o desconhecimento, a inépcia para lidar com a matéria e o não comprometimento com o futuro. O futuro de uma situação dessas não tem como ser promissor. Maiorias cegas e absolutistas contra minorias desprotegidas costumam terminar em massacre.

Repito, não digo isso com romantismo pró-índios. Montar pedágios para arrecadação de dinheiro como há décadas são feitos também é um contra-senso na “pureza” dos costumes indígenas. Para que necessitam de dinheiro? Isso significa que o vil metal circula nas aldeias da mesma maneira que nas cidades. Não é de causar espanto, portanto, que cause revolta nos não beneficiados com as isenções e leis protecionistas (o dinheiro que você ganha precisa ser declarado e até tributado, correto?

A moeda aliás é observada como o mal maior do mundo exatamente por isso, portanto todos gostaríamos de viver em uma reserva protegida contra o leão). O que não quer dizer que não haja tribos em condições de auto-gestão e auto-sustentabilidade e com preservação de suas tradições.

O imbróglio é enorme mas é preciso fazer algo em caráter urgente para se distinguir tribos puras e indefesas de outras que se tornaram apenas comunidades pobres e que necessitam ser integradas à vida urbana, mas que na realidade vivem num limbo da cidadania e sofrem do que há de pior dos dois lados.

É inquestionável que é preciso deixar de tratar do tema como algo exótico, ou romantizado ou odiado. É preciso soluções. Enviar tropas apenas quando o homem branco é a vítima é fomentar preconceito e conflitos em áreas naturalmente explosivas. Abandonar esses lugares implica em depois ver-se obrigado a montar UPPs na propagada teoria de “pacificação”, que nada mais são do que tentativas de reconquista de território.

O que ocorre em Humaitá não pode ser visto com espanto. Estava escrito. Estranho é que não tenha ocorrido antes, ou mais vezes.