Uma conversa cândida com Eduardo Jorge

Atualizado em 21 de setembro de 2014 às 0:35

pre-candidato-a-presidente-pelo-pv-concedeu-entrevista-ao-uol-e-a-folha-em-13jun2014-a-gravacao-ocorreu-no-estudio-do-uol-em-brasilia-1402688713026_956x500

Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho tem, pessoalmente, a mesma personalidade do Eduardo Jorge que chamou a atenção do Brasil nos debates televisivos pelo seu jeito simples, despojado e bem humorado. Sua fala tranquila evoca uma linguagem informal e ele usa exemplos com o próprio entrevistador para ilustrar suas ideias a respeito da política brasileira, da economia sustentável e do papel da esquerda no mundo contemporâneo.

Eduardo Jorge falou por mais de uma hora e meia ao DCM e se colocou como a verdadeira terceira via, diferente da “terceira via chinfrim que muitos imaginam ser o meio termo entre PT e PSDB”.

O seu programa de governo inclui o fim do senado, maior independência de prefeituras, redução dos cargos de confiança no Planalto e a extinção do salário de vereador. Como pretende aprovar essas medidas sem uma base sólida na Câmara e no Senado?

O Brasil nem começa nem acaba depois das eleições, e nem o PV, que rejeita o totalitarismo da esquerda e da direita, quer fazer isso de forma totalitária, de cima para baixo. Mas eu, como pequeno agricultor, preciso começar a plantar se quiser colher. Alguns frutos aparecem agora, outros depois. Então, esse período de campanha é uma oportunidade de, junto com o PV, semear e esperar que as sementes caiam em bom terreno. Um dia, se o povo se convencer dessas ideias, haverá uma maioria no Congresso para aprovar as emendas constitucionais.

Então imaginemos que o senhor fosse eleito presidente nessa eleição…

Se eu fosse eleito aconteceria uma revolução verde no Brasil! É uma hipótese boa que significaria que eu levaria comigo, eu espero, uma maioria parlamentar capaz de, pelo menos, começar a discutir algumas dessas propostas e colocá-las em pauta no Congresso Nacional. Então eu não seria, nessa sua hipótese, eleito sozinho, porque a opinião pública brasileira teria mudado tanto que, ao me eleger, teria proposto uma cultura de paz e de desenvolvimento sustentável que são nossas duas propostas principais. Isso significaria que eu teria, com o PV ou outros partidos, maioria no Congresso.  Teria que haver uma mudança de cultura que resultaria numa mudança do tipo de parlamentar que é eleito hoje.

Precisamos de lideranças com coragem para fazer isso, porque o povo está preocupado em sobreviver, trabalhar, trazer o pão pra casa. Então as lideranças políticas têm esse papel de propor ideias novas, de conversar com as pessoas. Se não fica essa mesmice toda: o povo descrente da política, pensando que todos os políticos são iguais, que não tem solução. É isso que o PV, que é um partido de vanguarda, tenta fazer. Quanto à colheita, temos de ter paciência, pois não somos um partido totalitário.

O sr. é um dos candidatos que defendem com mais clareza algumas liberdades individuais, como a descriminalização do aborto e do uso da maconha. O sr. acha que um político que esteja lutando, como favorito, para ser eleito conseguiria defender essas ideias? Ele conseguiria causar alguma mudança em curto prazo ou a sociedade brasileira ainda é muito conservadora em relação a elas?

As pessoas podem ser mais liberais ou conservadoras, e não é nenhum pecado defender alguma das duas: é apenas um modo de cada um viver sua vida. Mas nós temos de acreditar que as pessoas estão abertas ao diálogo, abertas a conversar e ser confrontadas com fatos, dados e argumentos. E acreditar que elas podem mudar de opinião. Eu já mudei de opinião várias vezes, por que os outros não podem mudar? O que é preciso é ter uma postura adulta para conversar com as pessoas.

Em relação ao aborto, não estou querendo impor um dogma, apenas querendo discutir a realidade. E a realidade é: milhares de mulheres morrem ou ficam com sequelas físicas ou psíquicas por ano, por conta do aborto ilegal, no Brasil. O que eu quero é diminuir o sofrimento dessas mulheres. É desumano abandoná-las. Eu acredito que, para diminuir o número de abortos feitos no país, precisamos melhorar o planejamento familiar. E também fornecer uma boa educação sexual nas escolas, especialmente no ensino médio. A lei vigente no Brasil é reacionária, machista e cruel, diz que as mulheres são criminosas por realizar um aborto.

Mas mesmo os líderes que têm uma posição igual a minha – e eu digo pra você que, tirando aqueles com ideais religiosas, todos eles são a favor da descriminalização do aborto – não têm coragem de defender isso publicamente, ou não querem ter o trabalho de conversar com as pessoas sobre isso. Admitem na vida privada, mas, por medo de perder votos, não levam essas propostas adiante. Se eles mentem nessa questão mais importante, por que não mentiriam sobre os índices de inflação, por exemplo?  Porque a inflação é menos importante que a vida humana.

Eu vou ter maioria para implantar essas ideias? Talvez não, mas precisamos começar a discutir essas questões. As duas maiores preocupações da população brasileira são saúde e segurança, que estão relacionadas ao aborto e às drogas. Se um candidato muda de assunto na hora de discutir isso, como pode dizer que está sintonizado com o dia a dia do povo? Eles só repetem a fórmula que não está dando certo: mais penitenciárias, mais prisões, diminuição da maioridade penal para colocar mais jovens na cadeira…

O seu programa critica o excesso de intervencionismo do governo na economia, mas propõe diversas ações para que ela seja mais sustentável. Isso não implica intervencionismo da mesma forma, ou até mais? O mercado, livre, tomaria as atitudes que o sr. pretende para a economia sustentável?

Eu não sou contra o intervencionismo. Sou um socialista democrático. Sou contra o excesso de intervencionismo, desastrado e clientelista, que infelizmente é a forma que o PT, contrariando seus ideais iniciais, implanta no Brasil. Quais critérios eles usam para beneficiar certos grupos, como a Friboi? Tem que haver um grau de intervenção estatal que proteja o meio ambiente e os trabalhadores, que direcione a indústria para o uso de energias limpas. O melhor, para o PV, é partir de regras universais, sem prejudicar ou privilegiar ninguém, fazendo com que a empresa que queria adotar o uso de energias limpas não enfrente mais dificuldades que aquelas que querem se manter com a energia suja.

Temos de fazer políticas que incentivem as empresas a seguir outro padrão, pois é disso que se trata: de um outro padrão, diferente do capitalista e socialista. O capitalismo e o socialismo nunca se importaram com a questão ambiental. É da natureza deles não respeitar os limites da natureza do mundo. O aquecimento global não é um problema ambiental: é um problema social, econômico e ambiental, causado pelo modo como o capitalismo e o socialismo produzem. Há empresas que já perceberam o dano que esse modo de produção causa ao clima, ao planeta e à biodiversidade, e estão agora se preocupando com a questão ambiental. Elas já estão se reprogramando para atuar de acordo com um novo padrão. Isso é uma mudança completa. Com essa tendência, o que vai surgir não é uma economia capitalista, pois o capitalismo se preocupa só com o lucro, o lucro é a sua religião. Não será tampouco uma economia socialista. Seria algo novo, uma terceira via de verdade, não essa terceira via chinfrim e provinciana do equilíbrio entre o PT e o PSDB.

Essa mudança requer uma legislação específica, que seja internacional. Não podemos ter países como a China, que baseia seu crescimento na superexploração dos trabalhadores, sem se preocupar com eles e com o meio ambiente.

Por falar em exploração do trabalhador, o sr. propõe a diminuição gradual da jornada de trabalho até chegar a 30 horas por semana. Como isso é possível na prática? É possível fazer isso sem prejudicar as empresas, diminuir salários e prejudicar a economia?

Você, que é mais jovem que eu, vai ver isso – eu talvez não veja, mas você com certeza vai ver. E o PV, como partido vanguardista, tem de propor a discussão dessas mudanças. Essa proposta faz parte de um projeto de Brasil a longo prazo.

A economia brasileira se divide hoje em três grandes blocos: o sistema financeiro, o produtivo e os trabalhadores. Há um grande desequilíbrio entre esses três blocos porque o industrial, o agricultor, prefere aplicar seu dinheiro ao invés de produzir, de assumir o risco capitalista. Assim, ele fica lucrando com os juros, os maiores do mundo, e deixa de produzir. O bloco financeiro concentra recursos demais, e o bloco trabalhista, apesar de ter melhorado sua situação desde a redemocratização, melhorou muito pouco. O Brasil continua sendo um dos países campeões mundiais em desigualdade de renda.

A ideia é: reduzindo a jornada de trabalho – sem redução salarial, é muito importante lembrar –, será possível combater a desigualdade e equilibrar os três blocos. Isso vai ativar a economia, pois a classe trabalhadora e média vai ter mais poder, comprar mais e melhor, comprar produtos de qualidade. A indústria vai se beneficiar disso. Temos de ter uma demanda da sociedade por um consumo de maior qualidade e responsabilidade ambiental.

Já existe uma emenda para votar a redução da jornada de trabalho. Por que, depois de 20 anos de PT e PSDB, dois partidos da família socialista, ela ainda não foi votada? Como esses partidos não tiveram coragem de fazer isso ainda? 44 pra 40 já, e para 30 mais para a frente.

O sr. disse ser contra a regulação da mídia. Quais suas razões para rechaçar essa proposta, levando em conta a distribuição dos veículos, concessões e verbas publicitárias atuais no Brasil?

O problema principal é que nem a presidenta Dilma confia no PT, nesse caso. O medo dela, e o medo do país todo, é que o PT, com suas tendências hegemônicas, meio leninistas e meio gramscianas, queira interferir de alguma forma no conteúdo e na liberdade da imprensa. Então toda a discussão desse tema, que é importante, no Brasil, está envenenada por causa disso, está bloqueada por essa desconfiança. Além do mais, essa democratização já está sendo feita pela informática, pela internet, pelos novos sites. Já está contribuindo para essa discussão tão importante sobre a comunicação, que é os vasos capilares da democracia.

A população foi às ruas no ano passado, unida pelo preço da passagem, mas reivindicando muitas outras coisas. Para o sr., qual foi a mensagem passada pelos manifestantes? O sr. pode ser aquele que vai responder a elas?

Seria muita pretensão minha [pensar que sou essa pessoa]. Mas acho que a mensagem mais importante é o desejo por mais democracia, por mais participação nas tomadas de decisão no país. É, sim, uma questão vaga, mas é importante. Cabe aos partidos políticos responderem com propostas concretas, coisa que o PV está fazendo em seu programa. É por isso que propomos diversas mudanças para se fazer a reforma política, uma reforma que resolva o nosso déficit de democracia representativa.

Essa reforma é baseada na maior participação política, na democracia participativa. Mas não propomos a substituição da democracia representativa pela participativa: elas têm de interagir. Buscamos também a proximidade do político com as pessoas – eles têm de viver como vive o povo.

Propomos a unificação de Câmara e Senado, diminuição drástica dos cargos de confiança dos deputados, voto distrital misto, voto facultativo, financiamento público de campanha, plebiscito para a implantação do parlamentarismo e a reforma mais importante que é aquela de base: o fim dos salários de vereador. Assim, apenas as pessoas com vocação para servir buscariam o cargo de vereador. Não teriam de abandonar seus empregos, receberiam apenas uma ajuda de custo caso necessário. Simultaneamente a eles, seriam eleitos conselhos de cidadãos, cerca de 50 conselheiros para cada 100 mil habitantes, para fazer a reivindicação das pessoas junto aos vereadores e o poder público. Isso aproximaria os cidadãos da política.

O sr. ficou famoso na internet, virou até um meme, por conta de sua postura e declarações nos debates televisivos. A internet, hoje em dia, transforma quase tudo em piada. O sr. acha que isso é bom ou ruim para a política? Se por um lado o sr. conseguiu mais visibilidade, vi comentários na sua página que queria ser levado a sério, não apenas o “Presidente da Zoeira”.

image

Eu não tenho culpa de ser assim, desse meu jeito. Exagero do humor sempre pode haver: algumas pessoas brincam de forma mais amistosa, outras de forma mais agressiva. Eu acho que as pessoas que estão na política têm de ser tolerantes com isso, ter bom humor e, inclusive, ter capacidade de rir das próprias críticas que fazem a você. E aprender com elas, ou não aprender, caso você não queira mudar. O que não pode acontecer é ficar nervoso por causa disso.

Um post no BuzzFeed disse que o sr. é o Mujica brasileiro. O que o sr. acha da comparação? E o que acha do presidente uruguaio? A personalidade dele reflete aquilo que o sr. acredita ser a solução para a “carreira política”, que tanto critica?

Eu não tenho essa pretensão [de ser o Mujica brasileiro]. Não o conheço de perto, sei que ele é socialista como eu, mas não sei até que ponto nossa dose de democracia no socialismo é a mesma. Mas naquele ponto de ter os representantes eleitos próximos da vida do povo, realmente ele é um exemplo, não só para a América do Sul, mas para o mundo inteiro. É uma pessoa que procura, apesar de estar no cargo mais importante de seu país, viver o mais perto possível do povo dele. Isso é uma coisa admirável.

A propósito, nossos dois vizinhos deram duas boas figuras, que podem servir de exemplo na cena mundial. O Uruguai nos deu Mujica e a Argentina, o Papa Francisco, que tem características parecidas com a do Mujica na simplicidade. Acho que devemos agradecer a esses países por ter nos dado essas personalidades.  Elas reforçam aquilo que o PV propõe, citando Gandhi, que é a simplicidade voluntária. Isso que liberta você do consumismo materialista, do consumismo do canto do cisne do capitalismo, pois o capitalismo, como é hoje, está acabando.

O sr. se define como um socialista democrático…

Na verdade sou um democrata socialista. Vamos inverter o termo. Aliás, eu conversei com muitos jovens nas manifestações de 2013, e eles continuam acreditando num discurso socialista totalitaristas. Vi muitos deles se dizendo revolucionários, trotskistas, leninistas, bolcheviques… Eu, que já fui um leninista de carteirinha, penso que eles faltaram às aulas de história do século XX, ficaram gazeteando a aula [risos]. Eu, como socialista, acredito que não pode haver extrema pobreza nem extrema pobreza, mas não acredito nas soluções econômicas que o socialismo tentou no século passado. E nós temos a obrigação de dizer o que o socialismo fez quando esteve no poder, e não foi nada bonito.

Então o sr. vê uma dificuldade da esquerda em dialogar com a população e manter-se relevante no mundo atual?

Sim, pois o socialismo e o capitalismo, diante de suas falhas em tentar erradicar a desigualdade no mundo, têm de se reinventar. Se formos usar os dogmas econômicos que eles tentaram, ficamos numa sinuca: na sinuca do século XX. Agora, no século XXI, precisamos inventar uma coisa nova, que talvez não seja nem capitalista nem socialista.

O sr. é contra o modo de se fazer política atual, e já disse que o próprio PV precisa se renovar diante dessa corrosão. Mas o sr. foi secretário de Serra e Kassab, além da Marta e Erundina. Essa mistura não caracteriza justamente essa política que o sr. critica?

Eu era, na juventude, um leninista, e assim era um revolucionário profissional. Lutei contra a ditadura, arrisquei minha vida, e ajudei a fundar o PT. Vi, então, que você não pode ser assim: tem de ser uma pessoa completa, saber administrar, dialogar, ter sua família etc.

Eu estou no PV agora, que é um partido diferente do PT. Ele não é socialista: eu sou, mas o PV não é. E ele tem uma característica dos Partidos Verdes de outros países, como da Alemanha, que é a capacidade de dialogar com a esquerda e a direita, de reformar tanto o capitalismo quanto o socialismo. Se eles aceitam dialogar conosco, podemos participar. O Serra ganhou o segundo turno, com o apoio do PV, e queria a nossa participação, com alguém com experiência administrativa. Depois que ele saiu para tentar a obsessão dele pela presidência – sem o meu apoio, pois fui o único secretário a dizer para ele terminar o mandato na prefeitura –, veio o Kassab, que pediu para a gente continuar. O governo dele, na questão ambiental, foi progressista e entrou no mapa mundial desse tema.

Por conta da minha mudança, fui coerente com o que acredito. Eu mudei desde que era jovem, então sou coerente com o que penso agora, no PV, me preocupando com a questão ambiental.

O sr. disse que o PT, o velho PT, era quase uma religião. O que é o PT hoje?

Eu acho que os partidos da família socialista, que vão do PSDB ao PSTU, pois a social democracia faz parte da família socialista, deram contribuições positivas ao país. O que aconteceu com o PT é que eles não resistiram aos aspectos clientelistas da política brasileira. Mesmo partidos quase religiosos, como PT, que era uma religião para nós, não resistiram. O atual sistema político destrói e corrói os partidos. O PT teve a ilusão de que poderia usar todas ferramentas perversas da nossa política e que continuaria puro como era nas décadas de 80 e 90. É o que aconteceu também com o PSDB, com o PV, que não é imune a isso: foram corroídos pelo sistema perverso que os empurra ao clientelismo.

(Acompanhe as publicações do DCM no Facebook. Curta aqui).