O desembargador que livrou os PMs do Carandiru já teve uma mãozinha da corporação. Por Donato

Atualizado em 1 de novembro de 2016 às 8:22
Sartori (dir.)
Sartori (dir.)

 

Uma mão lava a outra. O desembargador que recentemente anulou a condenação dos PMs pelo massacre de 111 presos na detenção do Carandiru, que segundo ele não foi um massacre e sim ‘obediência hierárquica’, já contou com a colaboração dos mesmos para se livrar de problemas relacionados a um acidente de trânsito.

Em 2012, Ivan Sartori pilotava sua Mercedes-Benz quando atropelou a moto na qual trafegava Joelma Ramos. A motocicleta deu perda total e Joelma ficou desacordada. Como o acidente acarretou em vítimas, o procedimento correto é que o motorista responsável se apresente à delegacia. O desembargador nunca compareceu. Graças a atuação de PMs, Ivan Sartori foi liberado para ir embora do local. Mas foi ainda pior.

Ainda na maca dos socorristas, tão logo recuperou a consciência, Joelma assinou uma declaração na qual renunciava qualquer intenção de processar o magistrado. Dali, os PMs foram só com o documento até o delegado João Doreto Campagnari. Nenhuma investigação foi adiante. It’s good to be the king, não?

O caso estava escondido até que a Folha de S.Paulo tomou conhecimento e entrou em contato com o desembargador Sartori para que ele explicasse. Aí então se conhece mais um pouco, se não sobre o acidente, sobre ele.

Certo de que o assunto seria divulgado no jornal, Ivan Sartori antecipou-se e publicou um post em rede social culpando a vítima (que morreu de câncer há pouco tempo) pelo acidente.

“Ela passava pelo corredor, entre os carros. A culpa foi dela”, afirmou sem embargos o desembargador. Sim, sim. “Foi legítima defesa” de novo? Joelma está morta e já não pode se pronunciar. Seu irmão desmente a versão de Sartori. “Ele não deu seta e fechou a moto dela”, disse Reinaldo Ramos.

Como não poderia deixar de ser, Sartori ainda voltou-se contra o jornal e deu a segunda derrapada: “Buscando retaliação, a Folha de S.Paulo ressuscita um acidente em que me envolvi em 2012, para publicar algo, na certa, tentando denegrir minha imagem.”

‘Denegrir’ é um termo racista, desembargador. Estamos no século 21, lembra?

São esferas muito distintas que compõem a sociedade, com praticamente nenhum grau de intersecção entre elas. E quando essa intersecção ocorre, acidentalmente, a disparidade do material do qual são feitas fica ainda mais evidente. O desembargador Ivan Sartori, que à época era presidente do Tribunal de Justiça de SP, pôde dispor de influência e jeitinho para se livrar de uma apuração. Mesmo banal. À Joelma Ramos coube o silêncio.

Sartori pagou o prejuízo da perda da motocicleta para Joelma como se dinheiro resolvesse tudo. Joelma assinou um termo comprometendo-se a não perturbar um desembargador ex-presidente do TJ-SP. Ela ficou satisfeita com o reembolso da moto ou nunca reclamou de mais nada por temor? Nem ela, nem os 111 do Carandiru estão mais aqui para responder.