O embranquecimento de Anitta no caminho para o sucesso

Atualizado em 17 de agosto de 2013 às 16:44

O caso conta muito sobre o preconceito contra a mulher negra.

 

Uma mudança considerável
Uma mudança considerável

O texto abaixo, de autoria da educadora sexual Jarid Arraes, foi publicado originalmente no site Blogueiras Negras.

Seja pelo preconceito de classe ou pela intolerância diante de letras com conteúdo sexual explícito, as mulheres do funk são vítimas da misoginia e do racismo.

Esse repúdio contra as artistas femininas do funk é intimamente relacionado à repulsa às mulheres negras. A maioria das funkeiras são negras, e o funk tem raízes históricas ligadas à cultura negra brasileira.

No entanto, há pelo menos um exemplo atual de mulher que veio do funk e é amplamente aceita e celebrada na mídia:  Anitta.

Enquanto as outras artistas têm suas raízes no funk tradicional com letras explícitas, Anitta é apresentada como uma funkeira voltada para a cultura pop, com uma produção higienizada e pronta para o consumo.

Anitta foi reposicionada em uma nova classe social, que a embranquece e a torna muito mais “adequada” para a televisão brasileira.

Em uma sociedade que tem como branca qualquer pessoa miscigenada de pele clara, o caso de Anitta merece no mínimo uma reflexão.

É preciso entender que a identidade que Anitta ou outras artistas possuem sobre suas cores é algo subjetivo, construído ao longo dos anos sob influência da sociedade.

Anitta é um exemplo de mulher miscigenada que foi embraquecida e “enriquecida” para que o seu trabalho artístico fosse valorizado.

A aparência de Anitta vem se tornando cada vez mais diferente desde a sua fama, com tratamentos de clareamento sobre uma imagem cada vez mais elitizada.

Sabendo disso, vale a reflexão: será que Anitta é aceita por ser reconhecida como uma mulher branca ou terá embranquecido em busca de aceitação?

Se outras funkeiras passassem por um processo de embraquecimento e elitização classial, seriam elas abraçadas pelos programas da televisão aberta nos mais diversos horários?

Esse processo não diz respeito somente ao embranquecimento de características físicas, como cabelos lisos, pele clara e nariz fino, mas está também relacionado à repressão da sexualidade feminina.

O funk bem aceito socialmente é aquele que constrói uma sensualidade feminina tolerável, que não intimida o machismo. E a sexualidade feminina que é aceita é aquela que não causa choques.

Valesca Popozuda é um bom exemplo: embora em sua aparência atual ela seja vista como uma mulher “morena clara”, ou em alguns casos até mesmo branca, o modo como lida com o sexo sem eufemismos faz com que sua expressão artística seja repudiada socialmente.

Artistas femininas sofrem uma imposição de limite sobre a sensualidade, que só pode ser expressada de modo comedido e elitizado: uma mulher que rebola na MTV é muito mais aceita artisticamente do que aquela que rebola em um baile funk no morro.

É importante notar, no entanto, que nenhuma mulher é plenamente aceita ao expressar sua sexualidade. Ao final do dia, todas essas mulheres têm algo em comum: todas elas são transformadas em objetos de consumo.

Ser consumida, nesse caso, significa oferecer a sensação de controle ao público masculino.

A mulher objeto de consumo deve expressar sensualidade, mas não ao ponto de fazer com o que o homem se sinta ameaçado, nem na eminência de ser “traído”.

Caso a mulher expresse sua sexualidade de forma objetiva e direta, ela é tida como uma “vadia” indigna de valor e seriedade.

A mulher negra, especificamente, carrega nos ombros o estereótipo de “mulher consumível” e descartável, para ser “usada” e jogada fora, ao contrário do produto mais cotado e duradouro: a mulher branca.

Essa é a realidade da misoginia: as mulheres são tratadas como mercadorias, algumas mais valorizadas do que outras.

Embora a questão da branquitude de Anitta seja debatível perante nossos olhos, o problema é muito mais profundo e está entranhado em diversas nuances da sociedade.

A questão não é atribuir uma identidade a Anitta ou outras artistas brasileiras, mas sim levantar o questionamento sobre a possibilidade de sucesso e a aceitação social dependerem de uma branquitude, seja ela real ou imposta.

Uma pele clara e um cabelo liso combinados com uma sexualidade moderada e restrita são necessárias para o sucesso das mulheres.

Seja ao chamar mulheres negras de morenas ou ao aceitar o “branco” como padrão, o racismo articula com a violência imposta sobre as classes desfavorecidas e encontra seu apogeu quando atua de forma machista.

É preciso trazer todas essas nuances para o debate e trabalhar para destruir essas violências.

Jarid Arraes é educadora sexual, feminista e escreve no Mulher Dialética e no Guia Erógeno.