O esforço inútil da Globo em dizer que o golpe não é golpe. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 30 de março de 2016 às 20:24
Tamos juntos: João Roberto Marinho e Eduardo Cunha
Tamos juntos: João Roberto Marinho e Eduardo Cunha

O Globo disse, num editorial, que o golpe não é golpe.

Há muito tempo ninguém mais tem o direito de se surpreender com nada de abjeto quando se trata do Globo.

Cassar 54 milhões de votos deixa portanto de ser golpe porque a Globo não quer. A  Globo pode muito, mas não tudo. Não pode, por exemplo, transformar um golpe em qualquer coisa que não seja exatamente isso: um golpe.

Um golpe paraguaio, especificamente.

Nós do DCM lutamos por um Brasil escandinavo, justo e igualitário. A Globo quer transformar o Brasil num imenso Paraguai.

Dar nome às coisas é mais importante do que se imagina.

Os chineses chamaram de Guerras do Ópio as batalhas que travaram com os ingleses em meados do século 19. Os chineses queriam varrer o ópio britânico de sua terra. Os britânicos queriam poder vender livremente seu ópio, produzido na Índia.

A Inglaterra, muito mais armada militarmente, venceu. Só que os chineses conseguiram que a história registrasse os conflitos como Guerras do Ópio, para vergonha eterna dos britânicos.

Um historiador chinês da época notou que aquela fora a maior vitória da China – e a realmente definitiva.

Ainda hoje, as Guerras do Ópio são lembradas com embaraço pelos ingleses, num dos capítulos mais baixos de sua história.

No Brasil, o golpe de 1964 foi tratado pelos vitoriosos de então como Revolução. O Globo de Roberto Marinho não se cansou de saudar, entusiasmadamente, a Revolução.

A mesma imprensa que hoje se empenha no golpe fez a mesma coisa: era a Revolução.

Mas não há mentira que sobreviva indefinidamente na história de um país.

Sumiu do ar a palavra Revolução. Até a Globo, em algum momento, teve que reformular seu vocabulário. Nem os Marinhos chamam hoje o golpe de 1964 de Revolução.

Um governo legítimo, o de Jango Goulart, foi removido por dar foco aos desvalidos. Alguma semelhança com o que acontece hoje? Toda.

E no entanto o golpe se vestiu de Revolução, na linguagem dos militares da ditadura e seus amigos da imprensa.

Não pegou.

Agora é um quadro parecido. A Globo quer dar outro nome ao golpe, algo que mitigue o tom tenebroso do evento sinistro que é obliterar 54 milhões de votos por meio de políticos corruptos como Eduardo Cunha, juízes partidários como Moro e uma mídia desonesta como a casa dos Marinhos.

É ridículo, e é inútil.

Tentar dar ares constitucionais à quartelada por outros meios que o Brasil enfrenta hoje não vai funcionar. O golpe militar também teve a aquiescência constitucional dos juízes do STF de então.

O STF era tão comprometido politicamente em 1964 como é hoje. A diferença maior é que eles eram menos tagarelas do que Gilmar, Celso Mello etc.

Triunfe ou não o assalto da plutocracia à democracia, a posteridade registrará o episódio da mesma forma que ocorreu em 1964: como um golpe.

A Globo demorou meio século para se desculpar pelo seu apoio ao golpe.

Na hipótese de os golpistas mais uma vez vencerem, restará o consolo majestoso de que a Globo vai morrer pelas mãos da internet muito antes que decorram mais 50 anos.