O estilo do “gestor”: após humilhar Soninha, Doria queima publicamente seu vice para se promover. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 24 de abril de 2017 às 19:17
Doria e Bruno Covas

Esta é mais uma reportagem da série do DCM sobre João Doria, financiada através de crowdfunding.

Depois de humilhar a vereadora Soninha, ao divulgar um vídeo em que, na presença dela, comunica sua saída, mentindo que era uma decisão conjunta dos dois, o prefeito João Doria desautorizou o vice-prefeito, Bruno Covas.

O vice-prefeito, na ausência de Doria, que estava em viagem à Coreia do Sul, mandou para a Câmara Municipal um projeto de lei que permitiria o uso de dinheiro de privatizações e concessões nas despesas do dia a dia da prefeitura.

Doria disse que foi um erro. “Eu li no voo e desautorizei. Isso não faz parte do nosso programa. Não foi voltar atrás, eu desautorizei aquela informação. Foi um erro e eu já alertei para que não se cometa mais esse tipo de erro, sobretudo na minha ausência”, afirmou em entrevista que postou em seu canal no YouTube.

Doria anunciou em coletiva que o dinheiro será usado exclusivamente nas áreas sociais, como educação e saúde.

Se será usado ou não, é outra história.

O que importa agora é que Doria queimou o vice e ainda se promoveu às custas dele – houve a desculpa de que o erro foi do corpo técnico, o que deixa Covas numa situação ainda mais difícil, como um ingênuo no comando interino da prefeitura.

Soninha é do PPS, mas politicamente ligada a José Serra, e sua ação foi interpretada como uma vingança contra o ex-governador, que não o apoiou na campanha à prefeitura.

Bruno Covas é neto do ex-chefe de Doria, Mário Covas, que como prefeito de São Paulo, entre 1983 e 1985, teve engoli-lo como presidente da Paulistur, a empresa municipal de turismo da época.

Assessor de imprensa de Doria na Paulistur, Luiz Carlos Franco publicou no facebook, às vésperas da eleição, uma nota em que diz que Mário Covas o hostilizava por não suportá-lo.

Disse Luiz Carlos Franco:

Vomito quando vejo Doria falando de Mário Covas, que não o digeria. Mário entrava na sala de João, no Anhembi, batendo cinzas de cigarro no chão, por não aturar o executivo imposto pelo grande governador Franco Montoro. Covas não o suportava, e ele vem dizer que era amigo e que muito aprendeu com Covas.

Depois da eleição de Doria, Franco, que é dono de uma empresa de assessoria de imprensa, removeu sua página da rede social.

O comportamento de Doria em relação a desafetos é, na visão de uma pessoa que o conheceu bem no passado, um traço marcante de sua personalidade.

“Ele não esquece”, diz.

Doria passou sérias dificuldades quando o pai, gênio da publicidade e político cassado, gastou o patrimônio da família para se manter no exílio, durante a ditadura militar.

Doria, o irmão mais novo e a mãe voltaram para o Brasil antes do pai, e Doria teve que estudar em escola pública.

Hoje chama a atenção uma parede da casa dele com vinte quadros de Emiliano Di Cavalcanti, um ao lado do outro.

É de senso estético duvidoso colocar obras desse quilate uma ao lado da outra, competindo entre si, uma tirando o foco da outra. Algumas obras estão no alto da parede, muito acima do nível de visão de quem as observa.

Mas o que a parede revela é mais do que falha do senso estético.

Muitos dos quadros pertenceram ao pai, que teve de vendê-las para a família se manter no exílio e João Doria, quando ficou rico, foi atrás de cada uma, para recomprá-las.

E hoje as exibe como um troféu. “É o troféu da vingança”, diz esse amigo.

De certa forma, ele interpreta, é o que João Doria começou a fazer com a elite empresarial do Brasil, quando a obriga a vestir uniforme e a seguir suas ordens dadas com apito em encontros do Lide.

“Os empresários adoram correr atrás do João, vestidos como ele manda – calça branca e paletó azul. João enxergou a orfandade dos empresários, o vazio que há dentro deles, e os transformou num grupo de lobinhos, um grupo de escoteiros”, diz um jornalista especializado em cobrir os bastidores do mundo das celebridades, que já frequentou esses encontros.

A fortuna de João Doria deu um salto quando ele criou o Lide, com o apoio financeiro do dono da Amil, Édson de Godoy Bueno, especializando-se em aproximar empresários de autoridades, principalmente do governo Lula.

João Doria passou a receber dinheiro dos empresários com o argumento de que precisavam se organizar para influir no governo do PT.

Ele tinha contato com Luiz Fernando Furlan, então controlador da Sadia, ministro de Lula, hoje executivo do Lide – ou seja, empregado da família Doria.

A entrada da Villa Doria, em Campos do Jordão, com a escultura da mulher de João,  Bia

 

O Lide alavancou a fortuna de Doria, mas ele já tinha melhorado de vida muito tempo antes, quando foi secretário do pai numa entidade que este trouxe de fora, o Instituto Mind Power.

A entidade realizava palestras para ensinar um método que teria sido criado por Doria pai, com o objetivo declarado de desenvolver “as potencialidades da mente e combate às tensões, o estresse e desordens psicossomáticas decorrentes”.

Somente em São Paulo, entre 1980 e 1983, cerca de 12 mil pessoas fizeram o curso, entre os quais militares do Segundo Exército, que, em agradecimento, lhe entregaram uma placa de agradecimento.

Curioso que, na sua volta do exílio imposto pelos militares, Doria pai tenha prestado serviço ao Exército. Mas vá lá. O Brasil já era outro. Vivia os tempos da abertura e, por outro lado, começava a onda da auto-ajuda, na qual entidades como o Mind Power de Doria surfou.

O Mind Power pode ter sido uma das muitas iniciativas controversas da época, como o israelense Uri Geller, que entortava objetos metálicos na TV, dizendo que fazia isso com a força da mente – uma fraude mais tarde desmascarada.

Mas há quem veja no estilo impessoal e centralizador de Doria o resultado das experiências do pai. “Ele não foi apenas secretário do Mind Power, foi cobaia do pai”, diz um homem que é hoje desafeto do prefeito.

Assim como obriga os empresários a, espontaneamente, obedecerem a seu apito, Doria começou um novo tempo também na política de São Paulo.

A reportagem de capa da revista Poder deste mês traz um perfil de Doria e a revelação de que ele instituiu um tipo de castigo para o secretário que falar “besteira” nas reuniões quinzenais que o prefeito promove.

O secretário que disser algo considerado fora do propósito da administração é obrigado a beber guaraná quente.

Doria leva um litro do refrigerante e, quando é detectado algo que seria a expressão de uma bobagem, todos se olham e os subordinados começam a gritar, em coro: “Bebe, bebe, bebe”.

Segundo a reportagem, Doria disse que a reunião termina com apenas meio litro de guaraná quente.

Nesse estilo, Doria ainda acabará obrigando Bruno Covas a usar um cone na cabeça e ficar sentado de costas para a classe, quer dizer, para o secretário.