O Extra nunca faria com Galvão Bueno a cafajestada que fez com o goleiro Muralha. Por Sacramento

Atualizado em 1 de setembro de 2017 às 21:13

Famoso por suas capas de efeito, o jornal Extra deu mostras de que não segue a velha e sábia afirmação de que “brincadeira tem hora” ao fazer uma chacota com o goleiro Alex Muralha, do Flamengo.

O jogador, apontado como um dos responsáveis pela eliminação do time nas semifinais da Primeira Liga, aparece em um comunicado de capa onde o jornal informa que não o chamará mais pelo apelido imponente.

“Alex Roberto, o ex-Muralha, mais uma vez desmoralizou o vulgo, levando um frango no jogo contra o Paraná pela Primeira Liga. Além de ter errado 100% dos lados nas cobranças de pênaltis, completando 545 sem defender uma penalidade”, informa o “comunicado”.

Muralha, com razão, ficou indignado com a capa e publicou uma nota, onde chama o ato de “humilhação” e “execração pública”. Ele destaca o perigo, inclusive, da capa incitar a violência contra jogadores do clube.

“Numa época tão difícil, em que a gente vê tanta barbaridade por aí, uma atitude como essa não contribui em nada, nem para o jornalismo esportivo nem para o futebol”, diz a nota do goleiro.

Não há exagero nestas palavras. Clube de futebol com a maior torcida do Brasil, segundo a última pesquisa do Lance, o Flamengo coleciona episódios de hostilidades da própria torcida contra jogadores e comissão técnica.

Em 2002, cerca de 50 integrantes de uma torcida organizada invadiram o treinamento do time, jogaram bombas e morteiros no campo e cercaram os jogadores. O goleiro do Flamengo na época, Júlio César, chegou a ser atingido por um soco.

Dois anos depois, o mesmo goleiro e outros ídolos históricos como Júnior e Zinho foram encurralados por maus torcedores rubro-negros ao desembarcarem no aeroporto Santos Dumont após derrota para o Atlético Mineiro.

Seria possível elencar outros episódios semelhantes envolvendo o Flamengo, o Corinthians e até mesmo o meu Fluminense, com torcida nove vezes menor que a do rival rubro-negro. Mas não é preciso muito esforço argumentativo para afirmar que o Extra poderia ter criado um incêndio.

Não bastasse ser cruel contra um profissional que experimenta no dia a dia uma pressão imensa por parte da torcida, dos cartolas e de empresários e a qualquer momento pode ver suas conquistas eclipsadas por um erro pontual, o Extra foi malandramente seletivo na escolha do seu alvo.

Humilhar jogador de futebol é mais fácil que emitir um comunicado informando que diante dos seguidos erros o governador Pezão, do Rio de Janeiro, será chamado apenas pela alcunha, sem o cargo público para o qual foi eleito. Ou informando aos leitores que a palavra “golpista” precederá o nome de Michel Temer nas matérias em que ele foi citado.

Jornal pródigo em capas com trocadilhos e brincadeiras com nomes inusitados, nunca vi uma capa inspirada do Extra para o empresário e dono de uma das maiores frotas de ônibus do Rio Jacob Barata Filho, preso recentemente por envolvimento no pagamento de propina a políticos. Seria medo ou respeito aos poderosos?

O jornalista inglês Tim Vickery, correspondente da BBC no Brasil, matou a charada.

“É uma falta de respeito, esse tipo de coisa é crônica na imprensa brasileira, a maneira de tratar o jogador como ridículo, essa falta de respeito com os jogadores é grave, acontece o tempo todo. Eu vejo que o grande motivo disso é o abismo social entre os jornalistas, de classe média e alta, e a classe social de onde vêm os jogadores. Vejo isso acontecendo cada vez mais na Inglaterra pelos mesmos motivos. Algumas décadas atrás, o meio social dos jornalistas era muito parecido ou igual ao dos jogadores, hoje não é mais”, disse Vickery no programa Redação Sportv.

Para Vickery, o pai da capa humilhante do Extra é ele, o onipresente preconceito de classe.

Diante da leniência do Extra perante alguns poderosos, é mais fácil um perna de pau canhoto fazer gol no Muralha chutando com a direita que alguém conseguir refutar a afirmação do jornalista inglês.