O extremismo jurídico no caso da performance do MAM. Por Naiara Moura

Atualizado em 5 de outubro de 2017 às 7:44
A performance no MAM

POR NAIARA MOURA, advogada especialista em Direito Penal e Processual Penal do escritório Fonseca, Iasz & Marçal

A apresentação de Wagner Schwartz na performance “La Bête”, em exposição no MAM de SP, causou polêmica depois do vídeo em que a filha de 4 anos de uma coreógrafa aparece tocando as mãos e os pés do artista. 

Pelo ponto de vista jurídico, tenho visto e ouvido opiniões diferentes, mas percebo que a grande maioria tem se posicionado de maneira extremista ou até fundamentalista.

De um lado, alguns levantam a bandeira da liberdade absoluta de expressão e, de outro, há aqueles que entendam que o ato pode ser enquadrado como crime de estupro de vulnerável (art. 213, § 1º do Código Penal), satisfação de lascívia de outrem (artigo 218-A do mesmo Codex) e, no campo cível, a possibilidade da perda do poder familiar da mãe, que incentivou à participação da filha na performance.

Em conversa com a psicóloga, especialista em adolescência, Janaina Moura, que, aliás, é minha querida irmã, questionei sobre sua opinião do ponto de vista psicossocial e biológico, já que em uma situação como esta, quando dois princípios fundamentais encontram-se em aparente colisão, não é de bom gosto, tampouco adequado, julgarmos qual deve prevalecer sobre o outro, a não ser esmiuçarmos todos os aspectos do caso concreto, ponderar os valores, a situação, as consequências, e somente depois de todo este processo, talvez sejamos aptos a realizar um juízo de valor coerente.

Do ponto de vista psicossocial, Janaina Moura esclareceu que não compete a nós censurarmos o comportamento ou o modo educativo que os pais têm com seus filhos dentro de seus lares. No caso desta família, talvez a nudez seja algo totalmente natural, desprovido de pudor.

Mas, quando se trata de expor a criança a determinadas situações das quais não sabemos como ela irá reagir e como serão suas lembranças sobre as cenas vivenciadas, cabe a nós, enquanto adultos e pertencentes à sociedade e também ao Estado, padronizar o que é ou não adequado, dependendo de cada idade.

A ideia aqui não é adentrar a questão dos limites à liberdade artística, de expressão e intelectual, já que, notadamente, estamos num espaço regido por aspectos sensíveis e subjetivos, como se fosse possível definir o que é o belo.

Entretanto, é dever do Estado e de todos os cidadãos respeitar a lei no que tange à proteção integral da criança e do adolescente, consagrados na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Código Civil e Código Penal, além de implementar medidas que visem o crescimento físico e psíquico saudável de cada criança e adolescente.

Por esse raciocínio, creio que o caso não se trata de intenções criminosas, sexuais, pornográficas ou erotização da performance, mas sim de como a exposição de um homem nu, sujeito à manipulações, incentivada pela mãe à interação, pode repercutir internamente na criança, mesmo que tal cena seja desprovida de qualquer cunho erótico/sexual.

A análise pode se dividir em duas partes.

Não falamos sobre censura, mas sim sobre adequação daquilo que com certeza pode e deve ser apreciado por crianças e adolescentes e aquilo que requer um amadurecimento bio-psicológico para ser visto, ouvido, lido. 

A arte é livre e considerada das mais variadas formas por cada sujeito, mas devemos ponderar seu caráter absoluto quando nos deparamos com outros princípios tão importantes quanto, como a manutenção da mente e corpo sadios das crianças e adolescentes para que, quando alcançarem a idade adulta, possam optar livremente por aquilo que irão de fato apreciar.