O general Mourão, o judiciário da América Latina e as novas bestas fascistas. Por Carlos Fernandes

Atualizado em 9 de dezembro de 2017 às 17:47
O general Mourão

O general do Exército Brasileiro, Antônio Hamilton Mourão, voltou a ameaçar o que sobrou da democracia brasileira em tempos em que presidentes eleitos são depostos por quadrilhas organizadas.

Não é a primeira vez que o milico declara em público a possibilidade de intervenção militar por parte das forças armadas caso, eles próprios, julguem necessários.

Em setembro deste ano o mesmo oficial já havia demonstrado, também em palestra, o seu saudosismo pela época de chumbo que vigorou no país por mais de duas décadas e que fez da corrupção, dos atentados, dos ataques aos direitos individuais, da repressão, do autoritarismo, da tortura e do assassinato de civis, a moeda corrente nacional.

Sem qualquer repreensão por parte de seus superiores – uma verdadeira conjugação de covardia, inépcia e incompetência juntos – Mourão segue livremente atentando contra a nação.

Não é novidade que velhos caquéticos, por pura ignorância, presunção, obtusidade e falta de horizonte, tumultuem o já combalido cenário político do Brasil com esse tipo de “solução”.

Jair Bolsonaro, que apesar de não possuir a mesma idade do general, ostenta um pensamento tão retrógrado quanto, não cansa de endeusar estupradores e criminosos da ditadura militar brasileira.

É algo que a psiquiatria ainda precisa estudar com mais afinco.

O grande fato, porém, é que essas originais caricaturas da decrepitude prematura de nossa democracia, de tão paradas no tempo, ainda não perceberam que a essa altura o mundo reinventou-se e, com ele, as novas formas de dominação.

O sistema imperialista que vigora sobre os alicerces de um capitalismo brutal, já não precisa necessariamente das armas para impor a sua força.

Com a valiosa vantagem de dar uma conotação legal às intervenções criminosas que países ao norte do Equador exercem sobre o resto do planeta, os tanques de guerra hoje dão lugar aos limpos e vistosos salões de justiça.

A América Latina, um continente historicamente utilizado como laboratório para todo tipo de rapinagem “primeiro-mundista”, é seguramente o exemplo mais notório no mundo todo do quanto potências mundiais podem subjugar uma nação utilizando-se apenas das canetas de seus próprios magistrados.

O que se viu com Fernando Lugo, no Paraguai e Dilma Rousseff, no Brasil, são modelos claros de como depor presidentes legítimos sem que seja preciso disparar um único tiro. Tudo sob o olhar sonolento das mais altas cortes judiciais.

Comprovada a eficácia – e aqui é preciso lembrar que desde 1990 nada menos do que 16 presidentes da AL ou foram depostos ou foram forçados a renunciar – segue em curso o mesmo modus operandi na tentativa de aniquilar futuros “problemas” para os interesses centrais de quem realmente domina a esfera global.

A caçada jurídica à Cristina Kirchner na Argentina e à Lula no Brasil tem por objetivo final manter o status quo de subordinação e subserviência a que tanto o Cone Sul se quedou obrigado.

Definitivamente, não existe forma mais rentável e barata de se usurpar bilhões de dólares de países com economias em frangalhos do que manter marionetes como Michel Temer e Maurício Macri a entregar de mão beijada o patrimônio de seus respectivos países.

Esse é o grande paradoxo de nossa atual vida política.

A partir de interesses internacionais a comandar o julgo dos que fazem e dos que exercem a lei, somos mantidos sob o regime da mais cruel das injustiças: a proibição de definirmos nosso próprio futuro.

O Poder Judiciário, resguardadas as exceções de magistrados e promotores que confirmam a regra, nesses tempos difíceis são os que mais profundamente encarnam os ideais fascistas que sempre estão a nos espreitar.

Ao permitirem, por exemplo, que militares invadam ilegalmente templos destinados ao debate e ao conhecimento como universidades, damos por vista onde essa gente quer nos enclausurar.

A justiça, ela própria, findou por abrigar as novas bestas fascistas do mundo moderno.

Militares como o general Mourão, apesar de suas extemporaneidades, não deixam de ser umas bestas. E, por isso mesmo, não menos perigosas.