A ovação ao goleiro Bruno no país do cinismo. Por Nathali Macedo

Atualizado em 6 de outubro de 2019 às 13:16
Eliza Samúdio
Eliza Samúdio

 

O ex-goleiro do flamengo, Bruno Fernandes, condenado a mais de vinte e três anos de prisão pela morte de sua ex-namorada Eliza Samudio – na época, apurou-se que seu corpo fora jogado aos cachorros – foi agraciado por um habeas corpus concedido pelo ministro Marco Aurélio Mello.

O principal argumento que embasa a decisão é a impossibilidade de postergação de uma prisão de natureza provisória. Em outras palavras, para Marco Aurélio Mello, um feminicida já condenado merece ser solto em razão da demora na apreciação de seu recurso de apelação – o famigerado habeas corpus por excesso de prazo, que, é bom ressaltar, não funciona no Brasil para os pobres mortais.

O que Marco Aurélio finge não lembrar é que o Brasil é o país das prisões provisórias que se arrastam pelos anos como se fossem condenações. É que gente preta, pobre e favelada permanece presa por anos sem sequer uma primeira audiência – muito menos sentença condenatória – e o STF nada faz a respeito, porque está seriamente ocupado concedendo habeas corpus a estupradores – alô, Gilmar Mendes! – e feminicidas, como é o caso.

Não fosse Bruno Fernandes o ex-goleiro do flamengo, a sensibilidade e senso de justiça de Marco Aurélio Mello certamente não lhe sorririam, como não sorriem para os milhões de presos provisórios no Brasil.

Somos, de fato, o país do cinismo: temos um STF que mantém milhões de presos esquecidos em celas imundas sem sequer serem ouvidos em juízo, mas concede habeas corpus a um feminicida já condenado para evitar a postergação de uma prisão “provisória” (se houve condenação, tecnicamente não se trata de prisão provisória, e o ministro certamente sabe disso).

O fato é que estamos a anos luz de um tempo em que crimes cometidos contra mulheres – e negros, e LGBTs, e transexuais, e minorias em geral – sejam de fato levados a sério.

Condenações por estupros e feminicídios não são capazes de arruinar a vida dos condenados, como deveriam, porque inclusive os julgamentos morais pesam menos sobre os homens.

Arrisco dizer, inclusive, que não tarda para que Bruno seja contratado por um clube brasileiro e siga sua vida tranquilamente, como seguem todos os estupradores, feminicidas e assediadores, especialmente os famosos, que conhecemos: Bertolucci, Woody Allen, Johnny Depp e, agora mais perto de nós, os músicos da banda baiana New Hit, condenados por estupro de duas menores e que agora integram a banda do vereador soteropolitano Igor Kannario.

Nosso apelo “machistas não passarão” não pode ser calado, mas, a cada dia, é transformado em um grito vazio de ilusão. A verdade, por mais que nos doa admitir, é que machistas têm passado sim – e têm passado muito bem.