“O impeachment não é juridicamente viável”, disse Reale Jr. há apenas um ano. O que mudou? Por Kiko Nogueira

Atualizado em 1 de maio de 2016 às 13:34
Reale e Janaína (dir.)
Reale e Janaína (esq.)

 

Poucas coisas têm sido mais eficazes para desmoralizar o impeachment do que seus próprios agentes.

O circo da votação na Câmara é o auge, mas ninguém bate os autores do pedido. Janaína Paschoal, Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr. são uma aula de oportunismo e pura maluquice travestidos de civismo.

Eles se revezam nos holofotes. Quando Janaína começa a dar muito detalhe em seu estilo pomba gira do Senhor, padroeira dos “brasileirinhos”, e Bicudo dá pinta de sua imensa mágoa, Reale assume o comando do show.

Mas o jurista de 72 anos, ligado umbilicalmente ao PSDB, ex-secretário de Covas, ex-ministro de FHC, não ajuda a causa.

À comissão do Senado, depois de uma pseudo crítica à homenagem de Bolsonaro ao coronel Ustra, que ele usou para atacar uma “segunda ditadura, a do gosto pelo poder”, o doutor Reale mergulhou nas pedaladas ficais.

Ele “nunca viu crime com tanta impressão digital”. “O desrespeito ao equilíbrio fiscal levou o país a esta situação que vemos hoje”, lamentou.

Um homem é um homem e suas circunstâncias, está certo. Mas Reale não precisa exagerar. Há apenas um ano, ele deu uma entrevista à Istoé bastante reveladora. Apenas um ano, repito.

Reproduzo alguns trechos:

— O sr. é a favor do impeachment?

— O impeachment não é juridicamente viável porque os atos que poderiam justificá-lo ocorreram no mandato anterior. A pena do impeachment é a perda do cargo. Mas acabou o mandato e Dilma foi reeleita para outro. Não existe vaso comunicante. Para se pedir o impeachment, a presidente precisaria ser suspeita de algum malfeito de janeiro até agora. Eu fiz a petição de impeachment contra o ex-presidente Fernando Collor. Ali havia fatos praticados por ele, o recebimento de vantagens ilícitas claras. Impeachment não é golpe, porém precisa estar enquadrado tecnicamente. Eu tenho uma responsabilidade de consciência jurídica, não posso forçar a mão.

Outro:

— O impeachment é também um processo político. É possível que o Congresso atropele os argumentos jurídicos para validá-lo?

— Aí a Dilma entra com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal e anula tudo. O Collor entrou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal para conseguir alguns direitos de defesa que não estavam sendo considerados no processo. E não é só a atual configuração do Supremo que invalidaria, não. Qualquer STF consideraria ilegal.

Mais um:

— Isso quer dizer que a presidente não poderá ser responsabilizada caso seja ligada às denúncias do Petrolão?

— O que pode haver, eventualmente, é a apuração de crime comum. O procurador-geral da República disse que não há elementos, mas Dilma prevaricou se sabia do esquema quando era presidente do Conselho de Administração da Petrobras e manteve a diretoria após assumir a presidência da República. Caso seja enquadrada num crime comum, ela será processada perante o Supremo com autorização da Câmara dos Deputados. Se condenada, perderia o mandato como qualquer outro político. Resta examinar se existem elementos mostrando que ela foi omissa ou conivente ao manter a diretoria. A Constituição diz que o presidente não pode ser responsabilizado por atos estranhos às suas funções, porém atos de prevaricação – como o que ocorreu na Petrobras – não seriam estranhos à função.

 

O que mudou? Basicamente, Reale percebeu que o que ele acreditava ser impeditivo num estado de direito era, na verdade, espuma. Tudo se amoldou à sua vontade e ao do grupo que ele representa. Inclusive o STF, que ele enxergava como uma pedra no caminho.

Não tem nada a ver com Justiça ou democracia. “E assim cubro a minha infâmia manifesta com farrapos das Sagradas Escrituras, e semelho a um santo, quando faço de diabo o mais que posso”, falou Ricardo III. Está tudo em casa.