O Ira! na Virada Cultural e a memória do Vô Cesar

Atualizado em 18 de maio de 2014 às 0:45

Era uma daquelas tardes dos anos 90. Eu ouvia o rádio, que poderia estar sintonizado na Brasil 2000, na Mix FM ou na 89. Eram as rádios que tocavam rock na época. Era mais provável que estivesse na 89, a minha preferida.

Rádio era tudo naquele momento para quem gostava de música. Não havia Youtube. Mal havia internet. Quando não podíamos comprar CDs, nós esperávamos o rádio tocar o que queríamos ouvir. Nesse meio tempo, tínhamos a oportunidade maravilhosa de ouvir coisas novas – para todos ou simplesmente para nós.

Eu tive bons companheiros de rádio. Tínhamos uma turma fã de rock. Éramos vanguardistas na escola – ainda era tempo de dance music, e nós gostávamos de rock n’ roll. Alguns anos depois, o rock voltaria à moda, mas nós éramos fãs antes disso.

Meu maior companheiro de tardes ouvindo rádio, no entanto, foi o Vô Cesar.

Vô Cesar se aposentou no Banespa aos 47 anos e jamais trabalhou novamente. Isso foi no tempo em que eu nasci. Minha mãe tinha 19 anos e ele se disponibilizou a ser uma das pessoas que cuidariam de mim, e posteriormente dos meus irmãos.

Vô Cesar morreu há mais ou menos seis meses de câncer. Com ele, grande parte de mim se foi – a parte boa como ele.

Mas estávamos falando daquela tarde, uma daquelas dos anos 90.

Estávamos, Vô Cesar e eu, no carro. Ele manobrava o carro no estacionamento do edifício em que morava naqueles tempos. Então uma música começou a tocar.

Era uma música com ímpeto, com peso, com tesão. Lobão, antes de pirar, chamou a característica fundamental daquela música de “paudurescência”. Não há um adjetivo melhor.

Era um punk rock acelerado com guitarras fabulosas e voz com muita personalidade. A letra era interessante também.

O locutor diria, ao fim da música, que se tratava de um lançamento do Ira! chamado “Me Perco Nesse Tempo”. Ali era apresentado a mim o Ira!.

ira

Comprei o CD. Comprei outros também. E olha que esse era um momento em que você tinha que escolher um CD ou outro, não dava pra baixar tudo que quisesse ouvir.

Ouvi muitos desses CDs, aliás, ao lado do Vô Cesar. Ele não gostava. Mas eis o quanto era generoso: mesmo assim ouvia comigo.

O Ira! foi uma das primeiras bandas punks pela qual me interessei. Tinha uns 12 anos na época, acho. Green Day foi outra, mas posteriormente eu notaria o quão sem graça eles eram comparados com punks com ímpeto verdadeiro (ou paudurescência) como os Ramones ou o Clash que eu também descobriria por aqueles tempos.

Ramones também foi um caso de amor eterno. Mas falávamos do Ira!.

De volta ao mundo presente, esta noite o Ira! retornou à ativa. Abriu a Virada Cultural por volta das 18hs e trouxe de volta muitas memórias do meu velho avô.

Fiquei feliz por eles não terem tocado a única música que me deixa reticente, “Pobre Paulista”. É uma música racista, admitiram. (Mais lindo do que não errar, é errar e fazer melhor depois.)

Que o Ira! fique junto pelo tempo que acharem necessário e possível. Mas que, na torcida deste fã, seja por muito tempo. Em nome do rock, em nome da música. Em nome da memória daquelas tardes nada vazias ao lado do Vô Cesar.