O jornalismo de guerra nos transformou em um país de monstros. Por Carlos Fernandes

Atualizado em 17 de novembro de 2016 às 7:03
Eles
Fascistas invadem a Câmara

 

A ruptura da normalidade do processo democrático que culminou na deposição de uma presidenta legitimamente eleita foi apenas uma das inúmeras atrocidades promovidas pelo jornalismo de guerra praticado pela grande mídia brasileira.

Mais do que atuar como um agente político partidário com interesses claramente definidos, a plutocracia midiática encarregou-se de criar perante uma grande parcela da sociedade, as condições necessárias para que um golpe de Estado se tornasse possível no Brasil.

Os ataques realizados diuturnamente à presidenta Dilma Rousseff, a manipulação das informações, os vazamentos ilegais de delações e escutas telefônicas, as coberturas incessantes das manifestações que ela mesma promovia, tudo possuía a nítida intenção de incendiar o país e gerar um clima de revolta e intolerância nos “cidadãos de bem dessa nação”.

Da mesma forma que a propaganda nazista fez um país inteiro se envolver no maior genocídio da história da humanidade, o jornalismo de guerra da grande mídia nacional praticamente exterminou a prática do brasileiro cordial. Já não cabemos mais no conceito de pátria. Somos um povo completamente dividido onde o diálogo e a tolerância à diversidade cultural, religiosa, ideológica, racial e de gênero foram completamente suprimidos.

O resultado de tudo isso não poderia estar sendo pior.

Na tarde desta terça-feira (15), o estudante de Matemática, Guilherme Silva Neto, de apenas 20 anos, foi assassinado pelo próprio pai, o engenheiro civil Alexandre José da Silva Neto, de 60 anos, com quatro tiros no peito. Após ter efetuado os disparos, Alexandre se debruçou sobre o filho caído e atirou contra si próprio. Ambos morreram.

O motivo dessa verdadeira tragédia seria o fato de Alexandre não admitir a participação do filho no movimento de ocupação às escolas e universidades contra a PEC 55, atualmente em tramitação no Senado. Segundo relatos, Alexandre também não aceitava o fato do filho participar de movimentos sociais e ser considerado como “alternativo e revolucionário”.

Se a bipartidarização ideológica causada na sociedade brasileira foi capaz de fazer um pai assassinar o próprio filho e depois cometer suicídio, o que mais podemos esperar de um povo que em grande parcela é influenciado por jornalistas como Rachel Sheherazade que considera “compreensível” o linchamento público de seres humanos ou Reinaldo Azevedo que insiste em dizer que no Brasil não existe uma cultura do estupro, mesmo uma mulher sendo estuprada a cada 11 minutos?

As feridas já causadas e as que infelizmente ainda irão acontecer, deixarão cicatrizes profundas no seio de nossa já cambaleante democracia. Somente algo extremamente grave pode explicar episódios como a formação de milicianos criminosos criados para expulsar, com violência, os jovens das ocupações escolares ou o ataque de um grupo de extrema-direita à Câmara Federal em defesa de uma Intervenção Militar.

Mais do que uma tragédia familiar, o caso envolvendo Alexandre e Guilherme faz parte de um processo muito maior onde todos – pai, filho, seus parentes, amigos  e a sociedade em geral – somos vítimas.

Os ovos de serpente eclodiram de vez. É possível que tenhamos trilhado um caminho sem volta.