O lado bom do caso Maju é que pela 1.a vez o racismo foi denunciado no horário nobre

Atualizado em 5 de julho de 2015 às 19:50
Maju representa todas as negras vítimas de racismo
Maju representa todas as negras vítimas de racismo

Maria Júlia Coutinho. Talentosa, linda, bem-sucedida e mais uma vítima do discurso de ódio, como tantas mulheres negras não tão bem-sucedidas assim.

Me incomoda o discurso de que, por ter estudado e por ser global, seja tão absurdo que a jornalista tenha recebido os ataques racistas que sofreu e que tantas outras sofrem todos os dias e ninguém enxerga. Jornalista global ou analfabeta, o racismo é nojento independentemente de para quem ele esteja dirigido.

E é claro que há milhares de Majus na periferia. Ser mulher e negra no Brasil não é fácil para ninguém – nem para uma jornalista bem-sucedida e muito menos para as mulheres negras da periferia. Mas isso não pode, sobremaneira, deslegitimar a campanha antirracista disseminada nas redes sociais em apoio à jornalista.

A campanha não defende que só uma mulher bem-sucedida seja digna de não ser agredida pela cor da sua pele. Muito pelo contrário: a Maju da TV é o retrato da representatividade das Majus da periferia. É a mulher negra gritando em rede nacional que tem, sim, o seu espaço.

Porque a negra que sai do lugar comum que sempre lhe foi imposto – do papel da empregada na novela das oito, dos salários menores, das passarelas com menos holofotes, das senzalas da contemporaneidade – é apedrejada não apenas por ser negra, mas por não contentar-se com o lugar que sempre foi imposto ao negro.

O caso Maju não é importante apenas porque mostra a hipocrisia do racista brasileiro que não admite que um negro se destaque pelas suas competências pessoais. É importante porque é a voz que pode finalmente ser ouvida e noticiada no horário nobre, como não aconteceu com o caso 13 jovens negros e da periferia mortos em Salvador no início deste ano, com a minha amiga negra que foi aconselhada a alisar o cabelo para uma entrevista de emprego, com a moça do apartamento ao lado que teve que ouvir que “para uma negra ela é até bonita”.

Foi importante para mostrar que racismo existe, sim, e grita. Existe na televisão, nas redes sociais, nos almoços de família e, muito e principalmente, nas favelas e periferias do país.

Os discursos de igualdade precisam de espaço. De visibilidade. O povo negro no Brasil precisa de representatividade, de voz audível, de espaço na grande mídia – ainda que esse espaço incomode as mentes medíocres.

Espero que a garota do tempo inaugure novos tempos – tempos em que negros em destaque deixem de incomodar. E que, enquanto isso, cada barbárie racista seja uma oportunidade de chamarmos atenção, a plenos pulmões, para tantas outras barbáries racistas que acontecem todos os dias sem nenhum estardalhaço. E que a Maju empoderada sirva para que prestemos atenção nas tantas Majus anônimas a nossa volta.