O lado obscuro da indústria internacional de roupas

Atualizado em 29 de abril de 2013 às 9:59

O desabamento em Bangladesh mostra as condições precárias em que milhares de pessoas trabalham em países pobres para produzir roupas para cadeias mundiais.

Protesto na Inglaterra contra a rede Primark por causa das condições de trabaho de seus fornecedores
Protesto na Inglaterra contra a rede Primark por causa das condições de trabalho de seus fornecedores

O desabamento de um prédio de três andares onde funcionava uma fábrica de tecidos em Bangladesh revelou não só o amplo descumprimento com normas básicas de segurança no país, mas também o lado obscuro da indústria de roupas internacional.

Na tragédia, que ocorreu na capital Dhaka na semana passada, morreram pelo menos 377 pessoas.

Neste domingo, um incêndio iniciado no meio dos escombros impediu o resgate de mais uma sobrevivente e retardou o trabalho de buscas.

Por causa do fogo, quatro bombeiros foram hospitalizados.

Estimativas iniciais dão conta de que 3 mil pessoas trabalhavam no momento em que o prédio desabou. Cerca de 2.430 sobreviveram.

O correspondente da BBC no Sudeste da Ásia, Andrew North, visitou o local da tragédia. É dele o relato abaixo, traduzido pela BBC Brasil.

É no norte da capital Dhaka que se concentra a maior parte das fábricas de roupas do país.

Muitas delas fabricam peças para marcas internacionalmente conhecidas.

Das casas de um quarto e dos casebres onde os operários vivem, podem-se ver blocos de concreto de múltiplos andares atravessando os céus da região.

Nos telhados, vigas de aço reforçado estão aparentes, na esperança de que outro piso repleto de máquinas de costura seja erguido.

Trata-se de um sinal, para os críticos, de que o “boom de roupas” ultrapassou os limites, na tentativa desesperadora de alimentar o apetite do Ocidente por vestimentas mais baratas.

O Rana Plaza, que desabou na semana passada, era mais uma entre as dezenas de fábricas locais, com a cadeia de lojas britânica Primark como um de seus principais clientes.

Em sua defesa, a Primark informou que estava “chocada e entristecida” pelo desastre e que exigiria de seus outros fabricantes uma revisão dos padrões de segurança no trabalho.

Mas esta é apenas uma pequena amostra de um cenário conhecido há bastante tempo na região.

Há menos de seis meses, no mesmo local, um incêndio reduziu a cinzas uma fábrica que fazia roupas para a cadeia americana de supermercados Walmart, matando 100 trabalhadores, até então o maior acidente industrial já ocorrido em Bangladesh.

Desde essa tragédia, esforços vinham sendo feitos timidamente.

Humayun Kabir,  presidente da DIRD Ltd, que fabrica cerca de 20 milhões de peças de roupa por ano para varejistas britânicos como Tesco, Sainsbury’s e Next, afirmou que seus clientes já estão “muito mais vigilantes”, realizando até inspeções não programadas em suas plantas.

A placa com a frase “Proibido trabalho infantil” adorna a entrada de muitas fábricas, assegurando o cumprimento de uma lei nacional que impede o trabalho de menores de 18 anos na indústria de roupas.

Mas ainda não está claro se os fiscais das grifes internacionais também vêm procurando “falhas estruturais” nos edifícios onde muitas dessas fábricas estão localizadas.

Em paralelo às grandes corporações, dezenas de fábricas ilegais floresceram na capital de Bangladesh na última década tentando tirar proveito do “boom” de roupas baratas.

Inúmeras dessas operações ocorrem à margem do poder governamental e não cumprem com os requisitos mínimos de segurança, como proteção contra incêndio. Além disso, menores de idade trabalham nas linhas de confecção de roupas.

O que restou do prédio
O que restou do prédio

Não é segredo que muitas das grandes fábricas da região subcontratem plantas menores, como essas, para puxar os custos para baixo e atender aos prazos dos clientes.

Nesses locais, a atividade pode ser apenas pregar botões ou costurar zíperes. Em seguida, as roupas retornam à fábrica contratante e “legal”, sem que os compradores conheçam qualquer detalhe desse processo.

Quando foi noticiado que a fábrica de Tazreen fazia roupas para o Walmart, a varejista americana disse que não tinha conhecimento dessas práticas.

A mesma estratégia de defesa é usada por outras fábricas localizadas no norte de Dhaka.

O governo de Bangladesh, por outro lado, alega que quer melhorar as condições de trabalho, mas diz que se preocupa com as consequências para as milhões de pessoas que dependem da indústria para garantir sua sobrevivência.

“O maior direito humano é o direito à sobrevivência”, havia dito o ministro do Comércio do país, Ghulam Mohammed Quader, em entrevista antes da tragédia da semana passada.

Entretanto, espera-se que a catástrofe convide a uma maior reflexão sobre o assunto.

Como um integrante de um sindicato de Bangladesh disse à BBC: “Quando você compra algo e leva outro de graça – não é exatamente de graça.”