O laudo psiquiátrico post-mortem de Marcelo Pesseghini deve ser levado a sério?

Atualizado em 2 de outubro de 2014 às 16:51
marcelo pesseghini
Marcelo com os pais

O laudo psiquiátrico de Marcelo Pesseghini, o adolescente de 13 anos que é o único suspeito de matar os pais, a avó e a tia-avó, suscitou mais uma discussão intensa em torno da chacina. O psiquiatra forense Guido Palomba afirmou que uma doença mental — encelopatia hipóxica, falta de oxigenação no cérebro — fez com que ele desenvolvesse um “delírio encapsulado”.

De acordo com Palomba, Marcelo quis se tornar um justiceiro, foi influenciado pelo game Assassin’s Creed, vivia num meio violento (os pais eram policiais) e se matou não por culpa, mas pela sensação de fracasso ao ver frustrados seus planos de formar um grupo de extermínio.

Palomba ainda fez uma comparação um tanto quanto forçada com Dom Quixote: “Recordando, Dom Quixote perdeu a razão depois de ler muitos livros de cavalaria (Marcelo depois de muitos videojogos) e partiu para se tornar um cavaleiro errante (Marcelo, justiceiro errante). O automóvel de Marcelo no lugar do cavalo Rocinante; a faca e o revólver em vez da lança e do escudo; Sancho Pança (o escudeiro) seria os amigos da escola, convidados no dia seguinte”.

Guido Palomba é um tipo meio exótico, à la Professor Pardal, bastante chegado aos holofotes. Gosta de dar entrevistas e já foi ao Jô Soares algumas vezes. Seu perfil de Marcelo, numa linguagem ligeiramente empolada, foi repudiado pelo tio do garoto e por milhares de detetives nas redes sociais do Brasil (há uma página no Facebook chamada Não Foi o Marcelo Eduardo Bovo Pesseghini com, no momento, 27 480 seguidores).

Agora, como é possível fazer um laudo psiquiátrico de um morto?

Bem, não só é possível, como também é relativamente frequente. Os americanos criaram um termo para isso: autópsia psicológica. É utilizado, por exemplo, em contestações de testamentos ou quando um acusado de homicídio quer provar que a vítima era suicida.

No caso Pesseghini, essa avaliação foi realizada pela polícia por causa da repercussão do ocorrido. Milhares de mortos anônimos no Brasil não ganham um exame desses. “O laudo de Palomba não é objetivo. Mas é tecnicamente impecável”, diz o psiquiatra forense e professor carioca Talvane Martins, que conversou com o DCM sobre o parecer de Palomba e sobre Marcelo.

O laudo é confiável?

Sim. Apenas é um perfil criado através de probabilidades. Usa estatísticas, freqüência de determinados fatores etc. Não é objetivo, mas é científico. A perícia foi bem feita. Palomba examinou as circunstâncias e se baseou nelas. Houve os depoimentos dos amigos, dos familiares e de uma médica.

É comum esse procedimento?

Nos processo de anulação de testamento o laudo é comum. Como o testador já morreu, ele é feito post mortem. Utilizam-se os depoimentos de quem conviveu com a pessoa e outros elementos. Eu fiz, por exemplo, o de uma mulher que estava sendo acusada de ter empurrado o marido pela janela. Tracei o perfil dele. Tratava-se, na verdade, de um suicida, com um grave quadro depressivo.

Mas e a comparação com o Dom Quixote…?

O Dom Quixote é uma licença poética do Palomba, mas deve ser visto no contexto. O garoto tinha um comportamento diferente, estranho.

O que acha da ênfase no papel dos video games?

Eu tenho uma opinião diversa sobre games e filmes violentos. O ser humano não é simplesmente uma caixa de repercussão e essa reação não é linear. Se fosse assim tão simples, quantas mortes não haveria todos os dias… A questão é como cada um reage e como isso afeta um histórico já complicado.

Os games são mais um elemento para entender o caso. Assim como a doença dele também não explica tudo. Quantas pessoas que tiveram encefalopatia na infância não matam ninguém?

O laudo usou a historicidade de Marcelo, um adolescente com um quadro fantasioso. Ele sabia atirar, sabia dirigir… Essa história chama a atenção porque é excepcionalíssima e extremamente dramática. O ambiente em que Marcelo cresceu é determinante. As armas em casa, o pai e a mãe falando de sua profissão, dos crimes etc. O laudo post mortem é comum — o que é rara é a ocorrência desse tipo de tragédia.