O macabro espetáculo das desocupações de terrenos nas grandes cidades

Atualizado em 19 de novembro de 2014 às 16:31
A PM na desocupação da favela da Telerj, no Rio
A PM na desocupação da favela da Telerj, no Rio

 

Às 2h50 da madrugada de hoje (15/04), a Guarda Municipal do Rio começou a tocar sirenes de dezenas de carros para acordar as pessoas que foram despejadas do terreno da Oi e que estavam em frente à prefeitura. Com muitas crianças envolvidas, os últimos dias foram de cenas brutais, selvagens. As pessoas precisaram sair e desde então passaram a ser perseguidas (na tentativa de se proteger da chuva, ocuparam a passarela que leva ao metrô sendo novamente cercadas e atacadas).

O que esperam que aconteça? Que essas pessoas evaporem?

A questão da habitação toma proporções críticas. É histórica a deficiência de moradias bem como o tratamento dispensado ao assunto mas a postura do poder público frente às demandas da carência de moradia ao longo dos anos tem-se alternado entre a paralisia e o uso da violência. Até quando?

O roteiro é sempre o mesmo.

Ocupações surgem, são ignoradas durante um tempo, logo depois será decretada a reintegração de posse e a partir daí o macabro espetáculo de desumanidades se inicia.

Em São Paulo, no penúltimo final de semana, movimentos como a Frente de Luta pela Moradia Central de Movimentos Populares e a União dos Movimentos de Moradia ocuparam 24 áreas (entre prédios e terrenos na cidade de SP) com o objetivo de pressionar os três níveis de governo para acelerar programas de habitação popular para famílias de baixa renda.

Em seu site, a Frente de Luta pela Moradia dá o tom do discurso: “Imóveis sem função social são imóveis fora da lei. Este estoque de propriedades (ocupadas), em sua maioria absoluta, não cumpre a Lei. A lei, em vários dispositivos, expressa: ‘a propriedade atenderá a sua função social’. Bem, os imóveis ocupados pelos sem tetos nenhum atende sua função social. Estão  abandonados por vários anos sem utilidade para a cidade. O Código Civil dispõe: O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem injustamente a possua. Nestas propriedades ocupadas, o proprietário não exerce o domínio que a lei lhe faculta. Ou seja, não usa, não usufrui, não vende. Deste modo, ele não a possui. Porque o que assegura o direito de propriedade é a posse.”

Em 12 de dezembro do ano passado, o DCM já alertava para a evolução do quadro e a falta de sintonia entre Prefeitura / Estado e os diversos grupos de sem-teto. Agora está aí. Eduardo Paes borrifa spray de pimenta no rosto de mulheres e crianças, Haddad permanece batendo na tecla que comprometeu-se com 55 mil moradias até o fim de sua gestão e Alckmin, através da CDHU, promete mais 30 mil (o déficit habitacional em São Paulo é de pelo menos 230 mil moradias mas pode ser maior que isso, o IPEA fala em 1,5 milhão de pessoas em situação de risco mas o instituto anda com problemas de credibilidade depois da pesquisa sobre violência sexual).

Existe de fato uma força-tarefa para cuidar do tema?

Um censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) feito em 2000 já dava conta de que 420.327 domicílios da cidade de São Paulo (então 12%!) encontravam-se vagos. Destes, 45 mil unidades estavam no centro. Basta uma caminhada pelas ruas centrais da cidade para notar que pouco ou nada mudou. Por que não se agiliza isso?

A falta de ação tem promovido essas megaocupações nos extremos da cidade (só a Nova Palestina comporta 8 mil famílias), que deterioram áreas verdes e de preservação ambiental, perpetuando um problema de mobilidade urbana que tanto se vem debatendo atualmente. Se a massa de trabalhadores permanecer se deslocando de uma ponta a outra da cidade diariamente, não haverá plano diretor que dê jeito.

É na área central que há farta rede de transportes, infra-estrutura, serviços e oportunidades de trabalho e geração de renda.

A quem interessa manter imóveis fechados e decrépitos? Inexiste a possibilidade de inseri-las no cenário público?

Com tragédias como a de Pinheirinho, é inconcebível que esse tema seja ainda tão menosprezado sobretudo diante das denúncias da vasta corrupção que gravitam no mercado imobiliários. Só em São Paulo, uma lista de 84 empreendimentos de grande porte como shoppings, está sendo investigada por fraude ao IPTU. Um deles, por exemplo, tem área de 6.000 m², mas aparece nos registros da prefeitura com 3.000 m². Dá vontade de ocupar essa área sonegada ou não dá?