O mentor secreto da carta do dono da Globo ao Guardian. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 23 de abril de 2016 às 22:24
O papa e o papista: Evandro com Roberto Marinho
O papa e o papista: Evandro com Roberto Marinho

O mentor intelectual da carta que João Roberto Marinho escreveu ao Guardian para defender a Globo da acusação de golpista é um jornalista morto: Evandro Carlos de Andrade.

Evandro foi o primeiro diretor de telejornalismo da Globo saído do jornal O Globo.

Foi uma tentativa da empresa de melhorar do Jornal Nacional e congêneres da casa. A lógica era que a mídia impressa é superior à mídia da tevê.

Evandro tinha uma mania: escrever cartas para publicações que criticassem a Globo. Era comum vê-lo nas seções de leitores de jornais e revistas com suas respostas.

Eu dirigia a Exame quando recebi uma delas. Criticamos a Globo por confundir interesses comerciais com interesses jornalísticos. Era 2000, e a Globo não cobria em seus telejornais o Mundial de Clubes porque não ficara com seus direitos de transmissão.

Era e é um clássico da Globo. A Fórmula 1 virou notícia para a Globo quando ela passou a transmiti-la. Quando deixar, some do noticiário.

Evandro era uma referência jornalística para os três filhos de Roberto Marinho. Numa reunião do Conselho Editorial da Globo de que participei, João Roberto contou que o pai chamava Evandro de “energúmeno”.

Não era no sentido comumente associado à palavra, esclareceu João. Era na acepção de possesso, possuído. Evandro era obcecado pelo trabalho.

Tanto trabalhou que morreu em atividade, não muitos anos depois de ter chegado à principal posição da Globo. Morreu de tanto trabalhar. A admiração dos Marinhos era tamanha que eles conseguiram do então prefeito de SP Kassab que batizasse de Evandro Carlos de Andrade uma rua na frente da sede paulistana da Globo.

O “energúmero” era o sonho de jornalista de Roberto Marinho. Na biografia que Pedro Bial fez do dono da Globo, é contado como Evandro ganhou o cargo de redator-chefe do Globo.

Ele escreveu para Roberto Marinho uma carta na qual lhe garantia que, além de torcer para o Flamengo, era “papista”. O papa mandou, está mandado.

Era o que Roberto Marinho queria ouvir.

Nem todos os jornalistas são assim. Em meados dos anos 1960, meu pai era editorialista da Folha quando Frias lhe mandou escrever um editorial que dissesse que não havia presos políticos. Todos eram prisioneiros comuns.

A razão é que havia uma greve de fome dos prisioneiros políticos, e Frias queria desqualificá-la.

Meu pai se recusou a escrever o editorial infame ordenado por Frias. Foi colocado na geladeira por isso. Meu pai não era papista, ao contrário de Evandro.

A cultura do papismo vigora até hoje na Globo. Por isso é uma tolice atribuir poder a jornalistas como Ali Kamel. Toda a força de Kamel, ou de quem for nos postos de comando da empresa, repousa em seguir à risca as determinações dos Marinhos.

Evandro ainda vive, de alguma forma, na Globo. A carta de João Roberto Marinho ao Guardian na qual ele tenta negar que a Globo é golpista é uma prova disso.