O mimimi da PM com cena de racismo na Globo mostra que as duas corporações merecem borrachada. Por Donato

Atualizado em 2 de junho de 2017 às 21:47
A cena de racismo de “Malhação”

 

Obviamente que o marketing da TV Globo tem se empenhado em mudar a imagem da emissora, tão desgastada e frontalmente combatida e confrontada.

Em tempos de internet, está mais difícil sustentar suas versões fantasiosas ou esconder suas preferências políticas (tê-las não é problema algum, o problema é que a Globo especializou-se em fazer de conta que era imparcial).

Dar uma de moderna, descolada, respeitadora de diferenças e com preocupações sociais era primordial para conquistar um público que desde 2013 quer ver o cão mas não a emissora. E para isso algumas alterações foram feitas.

Mas o que fazer com os antigos amigos? Agora os desgostosos são eles.

A novelinha Malhação parece ser a mais utilizada para esse objetivo pois fala com o público jovem. Recentemente, na esteira das ocupações escolares, a atração ensaiou um simulacro da questão em alguns capítulos. Uma coisa tão irreal e diversa do que realmente haviam sido as ocupações que caiu no ridículo e foi logo abortada.

Neste ano nova aposta. A nova fase da novelinha, não por acaso, é intitulada ‘Viva a diferença’ e procura retratar uma posição de maior tolerância.

“O Brasil é um país de misturas, de culturas distintas e de diferenças sociais. Vamos explorar as dificuldades e as belezas da convivência de pessoas tão diferentes e falar sobre respeitar a opinião do outro, a posição do outro, a cultura do outro”, disse o autor Cao Hamburger.

Perfeito, mas faltou combinar com os russos.

No capítulo da última quarta-feira, uma cena reproduziu uma situação rotineira. Dois policiais abordam um casal de namorados. Ele é negro, ela oriental. A polícia é fictícia, embora o uniforme seja quase idêntico ao da PM paulista. Ao perguntar o que estavam fazendo, o policial reage com extrema verossimilhança:

“Pascoal, o negão tá falando aqui que namora com a japinha”, diz ao colega. O tal soldado Pascoal solta então uma risadinha sarcástica dando a entender que o ‘negão’, para estar ao lado de uma branca, só poderia estar assaltando ou planejando coisa pior.

Foi o bastante para a polícia. A abordagem discriminatória e racista deixou a Polícia Militar indignada. Em nota, o comandante-geral da corporação, coronel Nivaldo Cesar Restivo, classificou a cena como ‘lamentável’.

“Ao contrário da cena reportada, a Polícia Militar segue fielmente os princípios constitucionais e basilares do respeito aos direitos humanos, pautada na filosofia de polícia comunitária e com ênfase na gestão pela qualidade, com intuito de bem servir a sociedade.”

Teve também na redação “pessoas dignas”, “nobreza das ações que realizam”, “desvios de conduta são pontuais”. Tudo bem, coronel. A cena foi de ficção extraída da fértil imaginação do autor.

A grita foi mais longe. O deputado federal da bancada da bala, Major Olímpio, protocolou representação junto ao Procurador Geral da República.

“Pedi providências legais para a responsabilização da emissora e o direito de resposta”, esclareceu ele em rede social.

A polícia negar que seja racista é o esperado. Ela nunca admitiu isso em momento algum da história e não seria diferente agora.

O fator adicional é que agora viu traição naquela que sempre considerou uma aliada. Assim, na busca por um novo posicionamento, a emissora estará entre a cruz e a espada.

Fácil não será a vida da Globo em sua saga para limpar uma imagem maculada ao longo de décadas. Afinal, como publicado recentemente por Marcelo Coelho na Folha de S.Paulo, ‘a Globo sempre deu sinais de se recusar a perceber a realidade’ (o artigo gerou réplica furiosa de Ali Kamel, diretor de jornalismo da TV Globo).

E essa recusa deixa tudo mais complicado para a missão do pessoal do marketing.

Uma outra atração da emissora, o seriado ‘Os Dias Eram Assim’ trata do período da ditadura. Produzido pela Globo é algo irônico, cínico, sei lá que nome se dá a isso. Ela que levou quase 50 anos para se retratar pelo que fez durante os anos de chumbo, agora faz uma novelinha a acredita que tudo será deletado?

Pode ser que para o público de Malhação essa estratégia funcione. Para os demais, esquece.