“Salve Jorge” faz mal à saúde mental

Atualizado em 17 de março de 2013 às 7:39

As novelas pagam o preço de fazer entretenimento de baixa qualidade — e que cada vez menos gente quer ver.

Claudia Raia, a vilã, como sempre ruim no papel de Claudia Raia
Claudia Raia, a vilã, como sempre ruim no papel de Claudia Raia

Você assiste à novela das 9, Salve Jorge?

Eu também não. Mas eu tentei. Duas vezes. Na primeira, numa zapeada, fiquei 30 segundos. Parei num esgar de Claudia Raia. Na segunda, uma frase idiota de Giovanna Antonelli, que faz uma delegada, bastou.

Qual o sentido de seguir uma telenovela? Não são assunto de boas conversas, não interessam, ninguém se importa. Veja os números. Segundo o Ibope, Salve Jorge é a novela das 9 com pior índice de audiência em todos os tempos, com 31,9 pontos de média. A atração anterior, Avenida Brasil, cravou 39, o que já não era um estouro.

Essas atrações não têm mais o público que tinham. Há algumas razões para isso. As TVs por assinatura e a internet, por exemplo. Se você pode ver um bom seriado, e o que não falta são bons seriados, por que ficaria grudado na tela da Globo? Marta Kauffman, coautora de Friends, está participando de um workshop da Globosat para roteiristas. Resumidamente, Marta disse que: “a telenovela não vai ser o primeiro gênero de entretenimento, não vai funcionar mais”; “as ideias são limitadas”; “as pessoas não veem mais TV como antes”; “tudo está acontecendo nas séries e na internet”; “há outras maneiras de contar histórias”.

Não dá para culpar a falta de cobertura: jornais, revistas e sites dão matérias e matérias – com resultados eventualmente surreais, em que notícias sobre personagens são veiculadas como se fossem de pessoas reais. Glória Perez, a autora, reagiu da maneira esperada ao que ocorre com sua obra: mal. No Twitter, disse o seguinte: “Calculem quanto Salve Jorge levanta a programação e terão um dos melhores desempenhos da história das novelas! Simples assim :-)).” Não dá para entender muito bem, mas parece que significa que sua função primordial é salvar a grade da desgraça e legar telespectadores ao Jornal Nacional – que, aliás, desce ano a ano no Ibope.

Glória Perez, a autora: "Felicíssima com a performance"
Glória Perez, a autora: “Felicíssima com a performance”

A outra resposta da novelista: “Eu sempre quis escrever para mobilizar, o sucesso é isso: provocar a exaltação dos sentimentos: encantamento, raiva, deboche, frisson, debates, tudo movido a paixões descontroladas. A única coisa mortal, para uma novela, é a indiferença. Portanto, felicíssima com a performance”. Eu não sei em que mundo Glória vive, mas provavelmente nem no Projac a reação ao seu folhetim tem sido a que ela descreve. Não há nem uma palavra dela sobre a qualidade. Ela podia tentar defender sua literatura, ora. É legítimo.

A razão fundamental do flop, porém, é mais simples, e Glória deve saber disso: Salve Jorge é ruim. Novelas são ruins. Novelas são entretenimento de baixo nível. Portanto, menos gente se propõe a gastar seu tempo com elas. E a tendência é essa.

Atores já medianos são estimulados à canastrice, o texto é simplório, a trama é nonsense, a baixaria come solta. Para dar um tom de exotismo, ou para vender depois a coisa no exterior, gravam-se cenas em outros países, como Marrocos, Índia ou, no caso de SJ, Turquia – com resultados que ainda vão causar um problema diplomático, dado o grau de estupidez dos estereótipos.

Não adianta enfiar no meio um tema, digamos, candente. Não há tráfico de mulheres — um dos assuntos “sérios” enfocados em SJ — que sobreviva à diluição de uma história contada de maneira tacanha. A aposta tem sido, parece, na chamada Classe C. Tudo indica que a Classe C, para eles, poderia ser simbolizada por uma mulher pobre, sem estudo, que comprou uma televisão e está disposta a engolir qualquer patranha. Eu tenho uma amiga, muito talentosa, que é uma das roteiristas de uma novela que vai estrear. Ela entrou em crise, há pouco, porque seus textos foram “corrigidos”: palavras, termos e associações que um burocrata achava “complicados” foram “simplificados”. (Minha amiga não é uma acadêmica e escreve bem. Mas não é o que a máquina está procurando).

O jornalista H.L. Mencken cunhou uma memorável frase cínica: “Ninguém nunca perdeu dinheiro por subestimar a inteligência do grande público”. As novelas da Globo pagam o preço de levar isso ao pé da letra.