Ziraldo foi o patrono da Feira Nacional do Livro de Poço de Caldas, encerrada nesse domingo.
Fez palestras lotadas por adultos e crianças, concedeu diversas entrevistas, e em uma das mais lamentáveis de sua história teria afirmado à repórter Elemara Duarte que a atriz Fernanda Montenegro não tem o “direito de fazer apologia ao afeto homossexual, nem mesmo que esteja pensando em ajudar as mães de homossexuais (…), afinal, qual é a porcentagem de mães de homossexuais?”
É o tipo de declaração que nos acostumamos a escutar de figuras como Bolsonaros ou de nossos tios-avós mais antigos, mas raramente de artistas como Ziraldo. Um clássico caso do homem que morde o cachorro e por isso é notícia.
A história parece ainda mais curiosa quando sabemos que Ziraldo é autor do desenho do sol sorridente no logo do PSOL, sob os dizeres “Socialismo” e “Liberdade”.
A liberdade de ser heterossexual, cristão e maioria? Não parece uma boa interpretação do slogan do partido de Jean Wyllis.
Qual porcentagem seria suficiente para o cartunista não foi revelado, mas talvez devesse. Quantos precisam sofrer ainda com todo tipo de ignorância, discriminação e violência até que possam ser defendidos?
Quantas mães de homossexuais tiveram seus filhos perseguidos ou assassinatos em crimes de homofobia seria um dado interessante a se apresentar? E então o entrevistado diria um número suficiente.
Por que pensar nas mães e não nos homossexuais também poderia ser melhor explicado, mas parece relacionado a uma visão de que homossexuais são culpados, pecadores, e por isso não merecem apoio independente da barbárie a que sejam expostos.
Já as mães podem ser inocentes, a menos que Ziraldo também acredite que filho bem educado não vira viado e isso é falta de porrada, como defende Jair Bolsonaro.
Talvez Ziraldo esteja para a homofobia como Monteiro Lobato para o racismo, e encontremos em sua obra diversos indícios velados desse pensamento, que servirão ainda de retrato da ignorância de uma sociedade.
A mesma retratada por Fernanda Montenegro na novela que nunca tão poucos acompanharam, mas de cujas polêmicas ficam sabendo pela internet.
Polêmicas que remontam à época medieval e que, sem a arte e o entendimento para romper com os preconceitos impostos pela tradição e suas verdades, talvez ainda fossem resolvidas na fogueira.
Por isso também Fernanda Montenegro é uma artista e Ziraldo talvez já tenha sido e não é mais.