O poder de Dallagnol, de Deus e da vagina, que muita gente pagou para conhecer. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 25 de setembro de 2017 às 8:10
Dallagnol

A afronta do procurador da república Deltan Dallagnol à procuradora geral não chega a surpreender. Após palestra em uma faculdade de Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, ele fez uma declaração entendida pela jornalista Angélica Diniz, do jornal O Tempo,  como um recado a Raquel Dodge.

“Ninguém pode mandar dizer o que a gente faz ou deixa de fazer em Curitiba”, disse ele. Conforme lembrou a jornalista, na última semana, um integrante da equipe de Raquel Dodge foi flagrado num restaurante com uma advogada que atuou em defesa da JBS, em conversa na qual afirmou que a procuradora geral deveria “controlar” mais a força-tarefa de Curitiba.

Os procuradores têm, de fato, independência funcional garantida pela Constituição e, sob certo aspecto, concentram mais poder do que a própria procuradora geral, que tem sua atuação submetida diretamente ao Supremo Tribunal Federal.

Em varas de primeira instância, como Curitiba, a atuação conjunta do procurador da república com o juiz singular pode produzir estragos que só num prazo mais longo podem ser corrigidos — se sobrar algo da reputação de acusados que pode ser reparado —, daí o argumento de que o Brasil precisa de legislação mais severa para conter abusos de autoridade.

Dallagnol faz hoje política em vez de atuar nos autos. Por isso, suas declarações não geram surpresa.

Já tentou emparedar o Senado Federal, em vídeo postado nas redes sociais, e constrangeu o Supremo Tribunal Federal ao pedir a prisão de José Dirceu no mesmo dia em que a corte julgaria um habeas corpus pedido pela defesa do ex-ministro.

Até onde se pode perceber, Dallagnol não é muito criterioso na escolha dos palcos onde pode fazer política. Desta vez, a palestra foi em uma faculdade particular, mas o organização do evento coube a uma organização chamada TEDX, que cobrou ingressos que iam de R$ 150 a R$ 300.

Não era um evento político, no sentido estrito da palavra, ou jurídico. O TEDX definiu o evento assim: “Ideias que valem a pena serem compartilhadas. São muitas, espalhadas por aí. Por outro lado, há muita gente falando, com mais forma que conteúdo. No TEDxNovaLima, juntaremos gente da prateleira de cima com histórias sensacionais que valem a pena ouvirmos e nos conectarmos.”

Dallagnol dividiu a fim de semana de conferências com outras personalidades, do meio jurídico inclusive, mas não só. Havia também entre os palestrantes um pastor evangélico e uma senhorita que foi falar sobre o poder da vagina. Carol Teixeira, que é colunista da revista VIP, escreveu ao divulgar sua palestra no facebook que, se não fosse para causar, nem iria.

“O empoderamento feminino precisa passar pela vagina’. Porque acho que tá na hora de sairmos do mental e irmos para o corpo – precisamos parar de considerar a sexualidade um assunto menor. Precisamos compreender essa força que reside na vagina. Não é a toa que todas as sociedades batem cabeça tentando lidar com a sexualidade feminina a cobrindo com burkas, mutilando ou superexpondo. É um poder perturbador que tem ali. E para uma sociedade patriarcal não é muito interessante que a gente reconheça esse poder. Mas a gente precisa reconhecer. É aí que está o ponto de virada. Precisamos de uma reforma sexual, do empoderamento que vem de orgasmos verdadeiros e respeito profundo pela vagina, começando pelo entendimento e respeito pela nossa”, escreveu ela.

Dallagnol já teve questionada a sua presença em palestras onde se paga cachê, uma vez que atividade remunerada é vedada a integrantes do Ministério Público, exceto em evento de cunho pedagógico, didático ou científico — eles podem dar aula, por exemplo.

O Conselho Nacional do Ministério Público chegou a anunciar que analisaria o caso depois que a Folha de S. Paulo noticiou a presença de Dallagnol como palestrante em um encontro de cirurgiões plásticos.

Pelo jeito, não deu em nada, e Dallagnol não se sentiu constrangido de ir a um evento onde se falou do poder de Deus e da vagina ao mesmo tempo, num só lugar.

Dallagnol vai aonde e até onde quiser.

“Ninguém pode mandar dizer o que a gente faz ou deixa de fazer em Curitiba”. Nem em Curitiba nem em nenhum outro lugar.