O pornô-revanche não poupa ninguém

Atualizado em 17 de outubro de 2014 às 17:40

thamiris

 

Depois de ter sua intimidade exposta no último dia 31 de outubro pelo ex-namorado, Thamiris Sato, passou a receber uma avalanche de mensagens constrangedoras no minuto seguinte. Disse ter pensado em suicídio, tamanho inferno interior.

Poucos dias antes de o caso tornar-se público, o suicídio consumado da garota Julia Rebeca, de 17 anos, por motivo semelhante, era mais um indício de que algo anda muito errado na relação entre os seres humanos e seus gadgets.

Thamiris é aluna da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tem 26 anos, não é uma criança, o que acentua ainda mais a complexidade da questão. Ambos exemplos repisam em tema tão propagado e discutido nos últimos anos. A propensão para expor-se, associada às novas tecnologias. Quem exerce qual papel na relação de causa e efeito? Para além da falta de educação em mesas de restaurantes, muitos parecem ter perdido completamente a noção de limite entre o público e o privado. Tudo é compartilhado, absolutamente tudo. E o que não foi, é porque ainda será, o que pode resultar em tragédias graças ao chamado pornô-revanche.

Ao divulgar o problema, Thamiris utilizou mais uma vez a rede social para o desabafo, escancarando publicamente a lavação de roupa suja que estava tendo inclusive com o pai e a irmã do namorado. Descreveu o histórico de suas brigas com o ex, acusando-o de ser “um doente que está levando minha sanidade mental embora.” Ou seja, até para denunciar a exposição que sofre, a vítima por vezes utiliza a mesma ferramenta do algoz, expondo-se ainda mais.

“Depois de Lucia”, drama mexicano premiado no festival de Cannes em 2012,
é um dos filmes mais violentos que já assisti. Sem cenas explícitas, deixa Quentin Tarantino no chinelo. Retrata o bullying sofrido por uma garota por conta de um vídeo que cai na internet, no qual é vista fazendo sexo com um colega no banheiro.

Com consequências terríveis para várias pessoas, várias famílias envolvidas, a partir de um ato tão infantil quanto cruel, o filme do diretor Michel Franco é obrigatório para pais, filhos, professores e diretores de escolas e universidades.

Bullyng não é novidade, não é algo superestimado que deva ser desdenhado e merece ser vigiado de perto. Nesse ponto é que o filme mexicano é, além de tudo, didático. Nem tudo se passa de modo tão imperceptível assim. Muitos pais, professores e sobretudo amigos é que perigosamente relevam sinais denunciantes.

Kristian Krastanov, o búlgaro namorado de Thamiris, tem telhado de vidro. Possuía dezenas de perfis fakes (inclusive um passando-se pela namorada), tinha hackeado o e-mail de Thamiris e enviava-lhe mensagens obsessivamente. “De 20 por dia, passaram pro ápice dos 400 em questão de alguns meses”, disse ela. Alegava ter sido traído e há meses vinha ameaçando-a (Thamiris chegou a fazer um boletim de ocorrência semanas antes). Suas ameaças, como tudo na internet, estão registradas: “Eu vou colocar suas fotos nua e vídeos na internet”. Ninguém, além da vítima, se preocupou. Felizmente, nem todos são omissos.

A professora Elaine Sartorelli foi ao socorro de Thamiris imediatamente. Também na página da aluna, ela publicou: “Queridos amigos, tenho orgulho em dizer que apelei ao meu departamento e este imediatamente encaminhou uma denúncia em caráter oficial ao diretor da FFLCH. Disponho-me a fazer um dossiê de todas as meninas agredidas em situações análogas em nossa faculdade, para apresentá-lo ao Comitê de Ética.” Ou seja, não foi um caso isolado e necessita-se sinal de alerta.

Na segunda-feira, Kristian chegou a redigir uma resposta mas acabou deletando seu perfil temendo as ameaças que surgiram. A internet é uma via de mão dupla com a rapidez de uma autoban para revanches.