“O povo virou as costas para Dilma”: Mano Brown e “o silêncio da favela”. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 26 de abril de 2016 às 23:29

 

No último dia 20, no Rio de Janeiro, Mano Brown fez um discurso durante um show dos Racionais MCs. Chamou seu público às falas.

Brown abriu falando que viu “a população virar as costas pra Dilma”.

“E eu vi o que é o poder da televisão em um país de terceiro mundo, o que é um país de terceiro mundo se informar. Onde a televisão elege e derruba quem eles querem. Aí eu falei: já que o povo escolheu isso, que assim seja”, disse.

“Se o povo decidiu derrubar um governo, que assim seja. Daqui para frente, é cada um cada um. Não siga o Mano Brown que você pode tombar do precipício. Papo reto”.

Finalizou: “Em São Paulo, a maioria da população é de preto. E tá usando tudo isso de droga: cocaína, maconha, balinha, lança-perfume, novela da Globo, Jornal Nacional, todas as drogas possíveis. Vamos chapar? Vamos chapar de Rede Globo, de Jornal Nacional, vamos chapar de William Bonner.

Enquanto a favela faz silêncio, a elite manipula. O dia em que o povo se omitiu. O dia em que a favela ficou quieta, em silêncio, e deixou eles tomarem o que a favela conquistou”.

O puxão de orelha de Brown é um lembrete de que o jogo tem alguma chance de virar se a periferia silenciosa gritar.

Com todo respeito aos seus praticantes, abraçaço não resolve qualquer parada, embora renda boas fotos. Quem vive de abraçaço são os ursinhos carinhosos.

A classe média já tomou sua posição e ajudou a jogar o país no colo de Eduardo Cunha e Michel Temer. E os pobres? O presidente do Instituto Data Popular, Renato Meirelles, deu um depoimento sobre essa ausência das avenidas.

“As classes C e D são muito menos presentes nas passeatas do que são na população brasileira”, afirmou à EBC. “Isso acontece porque ela acha que essa é uma briga da elite. Ela não vê as pautas que realmente interessam presentes”.

Para Meirelles, a narrativa do golpe é eficiente para uma determinada parcela dos formadores de opinião. “Mas diz pouca coisa para as classes C e D, que são a grande maioria dos eleitores”, pontuou.

O Datafolha traçou um perfil dos manifestantes pró e contra o governo na Paulista nos dias 13 e 18 de março. A renda e o grau de instrução são absolutamente similares — em ambos os casos, bem superiores à média da cidade de São Paulo.

Veja bem: não estou diminuindo, de maneira alguma, a sua ou a minha participação nos protestos pela democracia. Muito pelo contrário. Resistir é preciso.

Mas, como lembrou Mano Brown, o placar vai mudar quando — e se — a favela perceber que estão tomando o que ela conquistou. Não será Brown que vai acordar ninguém. Ele mesmo rejeita esse papel de messias no início de sua “confissão” no Rio.

Brown, que fez campanha para Lula, falou no ano passado que quer que “o PT se foda”. Lúcido e esperto, porém, sabe quem são os cunhas e o que eles representam. O pouco que se conquistou, e o próprio Lula reconhece que é pouco, corre o risco de ir para o espaço.

Foi o sambista Wilson das Neves que cantou: “O dia em que o morro descer e não for carnaval, ninguém vai ficar pra assistir o desfile final.” É esperar pra ver.