O protesto no velório e a tolerância ilimitada que leva ao fim da tolerância. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 5 de outubro de 2015 às 16:16

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Ninguém jamais terá a desculpa de dizer que não viu o monstro crescer.

A pregação do ódio no Brasil atingiu um novo pico na escala de barbárie com os panfletos atirados no velório do ex-senador do PT José Eduardo Dutra, em Belo Horizonte.

Ocupantes de uma Saveiro preta jogaram os papeis. Havia policiais de plantão. Antes do ataque, o carro passou três vezes pelo local, afirmam testemunhas. Ainda assim, a PM afirma que não viu nada. Ok.

Um protesto também aconteceu ali. Um sujeito chamado Cipriano de Oliveira, aposentado de 60 anos, resumiu o espírito de porco ao Estadão: “Qualquer momento é momento de mandar um bandido embora. Até no enterro da minha mãe eu faria isso”.

Submetida a uma dieta de ressentimento, desinformação e indignação seletiva, essa escumalha passou a considerar aceitável socialmente conspurcar um enterro e humilhar os familiares e amigos do morto.

Eles são “gente do bem”, segundo a definição imortal do líder dos Revoltados On Line, Marcello Reis, um mussolini para os nossos tempos.

Isso não os choca porque eles estão acima do bem e do mal. Não é força de expressão: uma pesquisa da empresa britânica YouGov com 1,646 homens e mulheres constatou que direitistas se acham moralmente superiores.

De acordo com o estudo, 47 daqueles que se descrevem como sendo de direita se declaram seres humanos melhores do que o cidadão médio (contra 39% de sedizentes esquerdistas). O levantamento também revelou que são mais propensos a acreditar que certas pessoas “nascem más”.

Os depravados que atacaram uma cerimônia fúnebre têm um nome: fascistas. Como lidar com eles?

Para começar, não é com “republicanismo”. Aquilo não faz parte do “debate político”. O filósofo Karl Popper escreveu o seguinte:

“A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo para aqueles que são intolerantes, e se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles. 

Esta formulação não implica que devamos sempre suprimir as filosofias intolerantes, contanto que possamos combatê-las com argumentos racionais e mantê-las sob controle da opinião pública. 

Mas devemos reivindicar o direito de suprimi-las, se necessário até mesmo pela força, e isso pode facilmente acontecer se elas não estiverem preparadas para debater no nível de argumentação racional, ao começar por criticar todos os argumentos e proibindo seus seguidores de ouvir argumentos racionais, pois ela é uma filosofia enganosa, ensinando-os a responder a argumentos com uso de punhos ou pistolas.

Devemos, portanto, reivindicar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar os intolerantes. Devemos enfatizar que qualquer movimento que pregue a intolerância deva ser colocado fora da lei, e devemos considerar a incitação à intolerância como criminosa, da mesma forma como devemos considerar a incitação ao assassinato, ou seqüestro, ou a revitalização do comércio de escravos como criminosa”.

 

Gente de bem
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