Na enquete do Diário, apenas 11% a consideraram “irônica e capaz de retratar o Brasil”
Colocamos no ar uma enquete para saber o que os leitores do Diário acharam da crônica Ser Especial, de Danuza Leão.
. 52% disseram que “não perderiam seu tempo lendo Danuza”
. Para 37%, “ela foi infeliz e apenas retratou a si própria”
. Apenas 11% a consideraram “irônica e capaz de capturar com maestria o Brasil moderno”
Ou seja, a ironia de Danuza, se houve, convenceu poucos. Por quê?
Eu arriscaria dizer que por falta de clareza. Danuza, naquele texto, é condescendente, no máximo. O maior crítico literário dos nossos dias, Harold Bloom, define a ironia como a capacidade de dizer uma coisa enquanto se quer dizer outra – eventualmente, o oposto completo. Hamlet é o príncipe da ironia. Quase tudo o que ele fala, ao se passar por louco, é o contrário do que pensa.
Machado de Assis era outro mestre. Numa crônica sobre a abolição da escravidão chamada Bons Dias, conta que tratou de “alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus 18 anos, mais ou menos”. Ele continua: “Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.
Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio; daí pra cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas, e chamo-lhe besta quando lhe não chamo filho do diabo; cousas todas que ele recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre. O meu plano está feito; quero ser deputado”.
Machado está dizendo, basicamente, que a situação dos escravos não melhorou com um decreto. Você não precisa de manual para entender isso. A mensagem está ali.
Tudo bem, é covardia comparar Danuza Leão a Shakespeare e Machado de Assis. Mas, se ela se aplicar, tem tudo para dominar a fina arte da ironia e ser lida e entendida por todos – incluindo novos ricos e, até, porteiros (atenção: isto é uma ironia).