O que Elize Matsunaga e o goleiro Bruno têm em comum? Por Nathalí Macedo

Atualizado em 25 de março de 2017 às 13:03
Elise no julgamento
Elize no julgamento

Um vídeo inédito do julgamento de Elize Matsunaga, a mulher que matou e esquartejou o marido Marcus Matsunaga em 2010, foi divulgado recentemente com exclusividade pelo G1.

Ela foi condenada a mais de dezenove anos de prisão pelo Tribunal do Júri.

O que Elize Matsunaga e o goleiro Bruno têm em comum?

Ambos mataram e esquartejaram seus parceiros amorosos.

Bruno matou Eliza e jogou seu corpo aos cachorros para não pagar a pensão alimentícia do filho que tinham em comum. Foi condenado a mais de vinte e três anos de prisão, mas aguarda julgamento do recurso em liberdade. Na saída da cadeia, foi recebido por fãs – um deles usando uma máscara de cachorro. Teve nove propostas de emprego.

Elize matou e esquartejou o marido após descobrir uma traição. Ela conta que, à época, ameaçou abandoná-lo e voltar à sua cidade natal, ao que ele respondeu que, se ela o fizesse, levaria um tiro. No fim das contas, quem levou um tiro foi ele. Seu corpo foi feito em pedacinhos e descartado em malas de viagem.

Ela foi condenada pelo Tribunal do Júri, pela mídia e pela sociedade. Sem fãs na porta da cadeia. Sem nenhuma proposta de emprego.

Vejamos: Elize conheceu a vítima quando fazia programas em um site de acompanhantes de luxo pra pagar a faculdade de Direito. Que tipo de relação pode existir entre um grande empresário e uma garota de programa? Quem acredita que, na atual conjuntura – num Brasil em que o machismo ainda é assustadoramente naturalizado e as prostitutas ainda são vistas como escória da sociedade – um grande empresário pode manter com uma garota de programa uma relação de respeito e equidade, deve também acreditar em coelhinho da páscoa.

Não é difícil acreditar que Elize era ameaçada, xingada e controlada pelo marido, como contou em juízo. Não é difícil porque, quando um homem se casa com uma garota de programa, ele sente como se tivesse lhe feito um favor. Não é difícil porque, mesmo quando a mulher em questão não é uma garota de programa, relações heteronormativas de respeito e equidade são artigo raro.

Quando você não tem com uma relação de respeito e equidade com o seu marido, esquartejá-lo certamente não é a melhor escolha. Mas e se faltasse coragem a Elize Matsunaga para matar o marido? Teria continuado vivendo sob ameaças e violência. Talvez fosse mais uma entre tantas Elizas Samúdio no Brasil.

E se fosse ele quem a houvesse matado, teria sido condenado a quase vinte anos de prisão? Talvez, mas certamente aguardaria o julgamento do recurso em liberdade. Certamente encontraria defensores, como encontrou o goleiro Bruno.

Quantos diriam que Elize mereceu morrer porque era uma garota de programa, exatamente como disseram sobre Eliza Samudio, à época do crime? Quanto vale, afinal, a vida de uma garota de programa no Brasil? (Quanto vale a vida de uma mulher no Brasil?)

Não se trata de justificar o injustificável. Não se justifica um crime com outro crime. Esquartejar uma pessoa que você amou um dia – esquartejar quem quer que seja, convenhamos – não tem justificativa.

Mas, diante de uma diferença tão abissal entre o tratamento que a justiça brasileira – e a sociedade civil – concede a um assassino homem e o que concede a uma assassina mulher, essa comparação não é apenas necessária, é urgente.

E é também urgente que perguntemos: por que Elize Matsunaga não está aguardando a tramitação de seu recurso em liberdade? Por que o Goleiro Bruno tem fãs e Elize Matsunaga tem perseguidores?

Porque ele é um homem e ela é uma mulher.

Eis a diferença mais gritante entre o feminicídio cometido por Bruno e o assassinato cometido por Elise: mulheres morrem apenas por serem mulheres. Homens morrem por inúmeras razões, mas nunca apenas por serem homens.

Bruno tira selais Bruno tira selfies com seus fã
Bruno tira selfies com seus fãs

Quando um homem é vítima, ele é vítima. Ponto. Quando uma mulher é vítima, procuram seus antecedentes, escavam todo o seu passado em busca de uma justificativa – qualquer uma – que a torne menos vítima. Eliza Samúdio, a vítima de Bruno – que foi acusada, depois de morta, de ser também uma garota de programa, o que, para alguns, justificaria o feminicídio – é prova disso.

No Brasil, a caixa de Pandora está sempre aberta. A mulher é sempre a culpada – tenha ela esquartejado ou sido esquartejada. Não importa se você matou ou morreu: se você for uma mulher, a culpa é sua.