O que está por trás das ameaças da Coreia do Norte?

Atualizado em 30 de março de 2013 às 9:28

As palavras do novo líder nortecoreano são para consumo interno, principalmente — mas ainda assim o quadro é preocupante.

Exercícios militares americanos e sulcoreanos na Península Coreana
Exercícios militares americanos e sulcoreanos na Península Coreana

O artigo abaixo foi publicado, originalmente, na BBC.

Mais de 40 mil soldados americanos e sulcoreanos estão conduzindo manobras militares na Península Coreana, como parte do exercício Foal Eagle.

Aviões de combate, bombardeiros e submarinos dos EUA se dirigiram à região, em um esforço para “melhorar a segurança e a preparação” da Coreia do Sul. Esses exercícios são considerados uma maneira visível pela qual Washington reafirma sua aliança com Seul.

A Coreia do Norte supostamente interpreta o propósito desses exercícios de maneira diferente, ao afirmar que poderiam servir para encobrir a preparação de um ataque surpresa. Em resposta, o país recorreu à sua ferramenta mais familiar: inflamadas ameaças de escalada do conflito.

A cobertura internacional das tensões com a Coreia do Norte cria a impressão de que suas ameaças recentes em resposta aos exercícios militares surgiram do nada.

Na verdade, há décadas  o país tem se oposto ruidosamente às manobras conjuntas entre americanos e sulcoreanos. A diferença dessas ameaças mais recentes é sua intensidade e especificidade.

Durante o mês passado,  a Coreia do Norte prometeu rasgar o armistício de 1953 entre as duas Coreias e fechar a linha direta na região da fronteira.

Logo depois, anunciou que havia aumentado o nível de preparação para o combate de suas forças de artilharia, com as bases americanas em Guam e no Havaí na mira. Ainda mais audacioso foi o anúncio de que se reserva o direito de uma guerra nuclear preventiva contra Washington e Seul.

Há poucas razões para suspeitar que as ameaças serão cumpridas, no entanto.  Uma razão é que o principal público para as palavras duras de Kim Jong-un é doméstico.

O jovem líder foi promovido rapidamente nas fileiras do Exército Popular da Coreia por seu falecido pai, apesar de ter feito pouco para merecer essas qualificações.

O jovem líder nortecoreano tem se reunido frequentemente com os militares
O jovem líder nortecoreano tem se reunido frequentemente com os militares

Enfrentar os inimigos da Coreia do Norte ajudará Kim Jong-un a consolidar seu poder militar e político.

Uma segunda causa para a calma temporária são as deficiências tecnológicas da Coreia do Norte nos campos nuclear e de mísseis.

Em sua maioria, os analistas concordam que é pouco provável que o país tenha dominado com êxito a tecnologia necessária para colocar uma ogiva nuclear em um míssil balístico e lançá-lo contra Washington.

No entanto, seus recentes testes nucleares e lançamento de míssil demonstram que a Coreia do Norte está ansiosa para avançar em sua capacidade nesse campo.

Se podemos repudiar as ameaças como bravatas destinadas principalmente ao público doméstico, é possível que as inseguranças subjacentes da Coreia do Norte sejam sinceras.

O temor de que exercícios militares possam ser usados para encobrir a preparação de um ataque surpresa contra a Coreia do Norte parece incompreensível de um ponto de vista ocidental.

Mas a Coreia do Norte, que pensa em termos militares primeiro e dá prioridade à auto-suficiência em seus assuntos, poderia receber com ceticismo a ideia de que os exercícios conjuntos sejam apenas sobre preparação para responder a um ataque ou uma demonstração benigna do compromisso da aliança entre Coreia do Sul e EUA.

O que possivelmente consolida a interpretação divergente da Coreia do Norte é o fato de que em 1950 ela própria usou exercícios com fins dissimulados.

Em junho de 1950, o país colocou em marcha um plano que encobria movimentação militar em grande escala em direção ao paralelo 38 sob o disfarce de exercícios de treinamento. Várias divisões se dirigiram para o sul, em direção a Seul, desencadeando a Guerra da Coreia.

Governos americanos anteriores reconheceram tacitamente que a lacuna no entendimento entre Washington e Pyongyang (capital da Coreia do Norte) sobre o propósito das manobras militares é ampla.

O ex-presidente americano Bill Clinton cancelou repetidas vezes exercícios  para aplacar as preocupações de Pyongyang e incentivar negociações sobre seu programa nuclear. Na verdade, o risco não é uma guerra em grande escala ou um ataque nuclear, mas um erro de cálculo.

A Coreia do Norte continua buscando novas formas de emitir ameaças, em parte em uma tentativa do regime de consolidar seu poder e em parte esperando que os EUA cancelem seus exercícios, como fez Clinton. Entretanto, os americanos mantêm os exercícios e voos de B-52 sobre a península coreana.

Esse padrão preocupante ocorre na ausência de um compromisso regular entre os EUA e a Coreia do Norte. Caso persista, o risco de um erro de cálculo de quaquer uma das partes vai aumentar.

A Coreia do Norte poderia interpretar mal uma ação futura dos EUA e determinar que existe uma ameaça iminente e existencial ao regime – e decidir agir preventivamente em relação a isso. Ou pode sentir que sua retórica não funciona mais e pode decidir que uma ação mais agressiva é necessária para fazer jus a suas palavras.

Um teste sobre a sinceridade dos temores norte-coreanos em relação às manobras militares será medir a retórica do regime quando os exercícios forem concluídos, em abril.

As saídas para a atual situação são limitadas. É pouco provável que conversações entre Washington e Pyongyang convençam a Coreia do Norte a renunciar a seu programa nuclear.

Mas o diálogo sobre a segurança na península coreana, incluindo a questão dos exercícios militares, poderia ajudar a evitar mais mal-entendidos e erros de cálculo. Poderia garantir que a Coreia do Norte ouça não apenas as fortes mensagens de segurança da aliança adaptadas para Seul.

Os EUA deveriam também ser cautelosos com qualquer esforço subsequente para reassegurar o compromisso com seus aliados, a fim de não exacerbar as potenciais inseguranças da Coreia do Norte.

Medidas como manter na região ativos militares com capacidade nuclear poderiam prolongar incessantemente o risco de erro de cálculo quando terminarem os exercícios Foal Eagle.