O que está por trás das denúncias contra as cervejas Belorizontina e Backer? Por Kerison Lopes

Atualizado em 11 de janeiro de 2020 às 20:00

POR KERISON LOPES

Tenho uma intensa relação com cervejas. Primeiro por razão óbvia: adoro aquele líquido. Além da relação pessoal, por ser um organizador de blocos de Carnaval e escola de samba, comecei a entender melhor os aspectos comerciais que envolvem esse bilionário mercado, que está acima de todas as crises econômicas. As cervejarias são as principais patrocinadoras da folia.

Com a desastrosa (des)organização do Carnaval por parte da Prefeitura de Belo Horizonte, que não apoia devidamente os verdadeiros realizadores do evento (blocos e escolas de samba), a dependência dos patrocínios privados para colocar o bloco na rua é enorme. E a gigante das cervejas, a Ambev, sabe disso.

Há anos ela mantém uma relação umbilical com os dirigentes da Belotur (empresa de turismo municipal). Ela ganha o edital de patrocínio máster e vira a cerveja exclusiva do Carnaval. O poder público, indevidamente, cuida de garantir a exclusividade da comercialização e divulgação da marca e fiscais da PBH se transformam em capitães do mato invadindo os desfiles e confiscando tudo que não for divulgação da patrocinadora oficial.

Com o ocorrido com a Cerveja Belorizontina e com a Backer, tudo leva a crer que a Ambev vai ter vida ainda mais fácil neste Carnaval. Sem dúvida, ela é a principal beneficiada com as denúncias da Polícia Civil e Ministério da Agricultura contra a cervejaria de Belo Horizonte, que é suspeita de ter dois lotes de produção contaminados com uma substância tóxica que pode ter levado a óbito uma pessoa e deixando enfermas outras nove.

O caso vai impactar diretamente no Carnaval, período em que cerveja é o produto mais consumido. A situação que já estava difícil na vida financeira dos blocos, vai piorar muito. Apesar de contribuir com patrocínios menores, as cervejas artesanais investem em alguns blocos. O Volta Belchior, por exemplo, foi patrocinado nos dois últimos anos por elas. E as negociações para renovação, que estavam em curso, foram suspensas em função dos últimos acontecimentos.

Nesta sexta-feira, o Ministério da Agricultura determinou o fechamento de toda a fábrica da Backer. A decisão vai cair como uma bomba não só para aquela empresa, mas atinge todas as marcas de cerveja artesanal que estão conquistando o mercado e tirando vendas das empresas do todo poderoso Jorge Lemann, dono da Ambev.

De uns anos pra cá, comecei a perceber que amigos faziam uma pergunta comum ao chegar em um bar: “tem cerveja puro malte?”. No início, confesso que achei frescura. Depois, percebi que a pergunta fazia todo sentido. As cervejas mais vendidas, da Ambev, tinham como base na produção o milho e não a cevada, e, com certeza, as suas vendas sofriam grande impacto com a percepção do brasileiro que estava há anos sendo enganado.

Comecei a fazer a seguinte pergunta: “como a Ambev vai reagir para não perder ainda mais mercado? Inteligentemente, no início, ela não criou produtos com base em puro malte. Optou por adquirir cervejarias que estavam se consolidando no mercado com essa fórmula, que passaram a fazer parte da sua poderosa rede de distribuição. Os casos mais emblemáticos são as aquisições da premiada mineira Cerveja Walls e da Colorado, de Ribeirão Preto (SP).

Segundo informações, a Ambev fez muitas gestões, sem sucesso, no sentido de adquirir também a Backer. Diferente das outras, a empresa de BH resolveu enfrentar o monopólio e se consolidar nacionalmente como uma cerveja de qualidade. Para isso, criou um produto mais popular, que poderia concorrer em preço com as marcas da Ambev. Essa cerveja é a Belorizontina. E eis que ela é atingida por um míssil em pleno voo.

Não tenho nenhum elemento para afirmar se a morte e as enfermidades têm relação ou não com o consumo da cerveja em determinado bairro de BH. Sou plenamente solidário às famílias que estão sofrendo com essa tragédia. Mas, conhecendo o capitalismo selvagem brasileiro, cada vez mais selvagem, só posso ficar muito desconfiado com essa história. Nunca vi o poder público agir tão rápido, como fez com a Backer.

Minha praia é o jornalismo e a imprensa e posso afirmar que o poder que move essa indústria é o dinheiro. E é o que a Ambev tem de sobra. A cobertura do caso da Backer está muito rasa até aqui.

Primeiro surgiu uma mensagem sendo compartilhada em massa via Watshap acusando a Belorizontina de ser a causadora da morte de uma pessoa. Basta lembrar das eleições de 2018 para saber do poder destruidor das Fake News espalhadas pelo aplicativo. Lembremos também que Jorge Lemann foi um dos financiadores do Golpe contra Dilma e um dos entusiastas de Bolsonaro, que teve uma campanha toda baseada nas mentiras espalhadas por Watshap.

A versão contra a cerveja ganhou “legitimidade” com um laudo da Polícia Civil de Minas (também espalhado por Watshap). Após toda uma campanha acusatória contra a Belorizontina feita no submundo da Internet, foi a vez da “grande” imprensa entrar em campo. O caso virou capa de todos os portais de Minas e passou a ter destaque na imprensa nacional. E, para a imprensa mineira, a Backer já foi condenada e culpada.

Depois de todo o circo midiático armado contra a Belorizontina, entrou em ação o Ministério da Agricultura do governo Bolsonaro, aliado de primeira hora de Lemann, para embargar toda a produção da Backer.

Independente das apurações e análises laboratoriais que ainda estão em curso, o estrago contra a Backer e todas as cervejas artesanais já está feito. E quem ganha com isso é o monopólio da Ambev. A poderosa empresa sabe jogar com as regras (lícitas e ilícitas) do mercado.

Como jornalista e mineiro, minha obrigação é estar sempre desconfiado. E, se tratando de Ambev, Jorge Lemann, Polícia Civil, governo Bolsonaro e imprensa brasileira, nem se fala.