O que faltou no artigo em que Jânio de Freitas comparou a Lava Jato à Oban. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 10 de março de 2016 às 14:03
Carro da Folha incendiado na ditadura em retaliação a apoio do jornal à Oban
Carro da Folha incendiado na ditadura em retaliação a apoio do jornal à Oban

O artigo de Jânio de Freitas desta quinta na Folha é um marco no processo crescente de rejeição a Moro e sua Lava Jato.

Jânio fez uma comparação que jamais será esquecida. Igualou a ação que deteve ilegalmente Lula à Operação Bandeirantes, uma das páginas mais sangrentas da ditadura militar.

Baseada em São Paulo, a Operação Bandeirantes, ou Oban, detinha, torturava e liquidava clandestinamente suspeitos de serem adversários do regime. Na caça, ironicamente, a Oban utilizava peruas da mesma Folha que abrigou o artigo de Jânio.

Jânio não chegou a comparar Moro a Sérgio Fleury, o delegado de polícia sádico cuja imagem ficou tão associada à Oban, mas nem por isso seu artigo foi menos significativo de um sentimento de questionamento à Lava Jato que se alastra entre os brasileiros.

Pouco antes dele, o conservador Elio Gaspari, também na Folha, criticou a “falta de modéstia” da Lava Jato. “Até o Gaspari acordou”, notou o jornalista Palmério Dória.

Muitos outros acordara.

Juristas insuspeitos ergueram as vozes contra os métodos de Moro. O ministro do STF Marco Aurélio de Mello explicou, com clareza, que a condução coercitiva no caso de Lula foi ilegal.

Quando lhe disseram que Moro alegara que era para proteger Lula, ele riu. “Este tipo de proteção eu não quero.”

Um ex-ministro da Justiça de FHC, José Gregori, criticou pesadamente Moro e a Lava Jato no caso Lula. Além de apontar a ilegalidade do ato, ele disse que faltara “ousadia” para Moro completar seu claro desígnio de prender Lula. (Outra versão que circula agora, citada também por Jânio de Freitas, é que a Aeronáutica — que cuida de Congonhas, para onde Lula foi levado – interveio e cortou as asas de Moro. Você pode ler aqui.) A Igreja Presbiteriana lançou um contundente manifesto contra a “teatralidade midiática” da Lava Jato.)

Sérgio Fleury, da Oban: Jânio não o comparou ao outro Sérgio
Sérgio Fleury, da Oban: Jânio não o comparou ao outro Sérgio

Há, em inglês, uma palavra perfeita para designar o que está ocorrendo: backlash. Em português popular, como diz um clássico da MPB, é a “volta do cipó de Arueira no lombo de quem mandou dar”.

Moro se valeu do apoio amplo e irrestrito da mídia e da omissão suicida dos progressistas para avançar os sinais. Virou um super-heroi, e parece que acreditou que podia voar, como antes aconteceu com Joaquim Barbosa.

Agora, de tanto abusar, sua invulnerabilidade se rompida. Moro já não pode fazer tudo e ainda assim receber aplausos incondicionais.

Sua neovulnerabilidade está demonstrada exemplarmente no artigo de Jânio de Freitas. Acabou, em suma, o super-heroi. Começa uma nova etapa, bem mais áspera, para Sérgio Moro.

Já não será tão fácil ele falar absurdos como o de ontem. Disse que a Lava Jato não é partidária ao mesmo tempo em que comparecia a um evento de João Dória. Muitos brasileiros já não estão cegos para se deixarem levar por demonstrações de cinismo como esta do “juiz apartidário” ao lado de um cacique do PSDB.

Quanto a Jânio, para ser perfeito, faltou apenas uma coisa. Ele riu da disposição da Lava Jato de investigar o vazamento da Aletheia. Disse que não dá para levar a sério esse tipo de bravata.

Mas tropeçou ao afirmar que não há quem possa investigar. Ora, para que serve, por exemplo, um jornal como a Folha?

Ou Jânio evitou citar o jornal para o qual escreve, até por questões de sobrevivência, ou perdeu por completo a fé nos bons propósitos da casa dos Frias.