O que leva um advogado a dizer que uma atriz pornô não pode ser vítima de estupro? Por Nathalí Macedo

Atualizado em 1 de dezembro de 2015 às 10:36
Espancada e violentada
Espancada e violentada

O caso da atriz pornô Christy Mack, estuprada e espancada pelo seu então namorado, o lutador de MMA Jonathan Koppenhaver, em agosto de 2014, voltou a ganhar destaque na mídia quando o advogado do acusado declarou em mesa de audiência que “não haveria como estuprar Christy por ela ser uma atriz pornô e gostar de sexo violento.”

O lutador é acusado de 34 crimes, incluindo estupro, sequestro e tentativa de assassinato da ex-namorada.

Precisamos compreender, neste ponto, que não se pode acusar um advogado por fazer o seu trabalho. E que embora não haja forma coerente de inocentar um alguém que deixou a namorada hospitalizada com dezoito ossos quebrados, este advogado estudou para isso e é pago – por mais que isso nos doa – para inocentar seu cliente.

O que me intriga intimamente nessa história é que há inúmeras manobras juridicamente possíveis de amenizar a situação desse réu no tribunal. Já acompanhei casos em que os advogados de estupradores valiam-se das mais variadas teses de defesa: declaravam insanidade mental de seus clientes (muitas vezes com a ajuda de peritos-médicos corruptos), alegavam crime passional ou tentavam negar o ato, protelando a realização do exame médico para que, quando ele finalmente fosse realizado, o resultado não fosse capaz de incriminar o estuprador.

E mesmo com tantas formas de desempenhar esse trabalho quase asqueroso – formas estas das quais um advogado teoricamente competente como este poderia se valer – o primeiro argumento utilizado baseou-se unicamente na posição de “culpada” da vítma.

Isso reflete, lamentavelmente, o principal artifício de defesa utilizado em dez entre dez casos de estupro: a culpa é da vítima. “Ela usava uma roupa curta.” “Ela bebeu demais.” “Ela confiou nele.” “Ela é uma atriz pornô.” “Ela estava pedindo.”

Esse discurso está impregnado na mídia, nos tribunais e na mentalidade das pessoas, e convém que nos levantemos contra estes meios ardilosos de justificar o injustificável, especialmente dentro do próprio Poder Judiciário. A desconstrução destes argumentos precisa começar dentro de nós.

É chegada a hora de os tribunais se posicionarem contrários à culpabilização da vítima, através do reconhecimento da máxima jurídica – que dispensa explicações, de tão óbvia – que afirma que não existe culpa concorrente da vítima em nenhuma situação – porque ninguém compactua com a própria violência.

Esperamos que os juízes responsáveis por este caso reconheçam que o fato de o emprego da vítima estar relacionado a atividades sexuais não significa que ela está sempre pronta para o sexo e, portanto, não pode ser vítima de um estupro. Esperamos que os tribunais – e o mundo! – reconheçam que qualquer mulher pode ser vítima de estupro, independente de quem seja ou de quais atividades desempenhe, desde que, naquela situação, a relação sexual não tenha sido consensual.

E que a cultura machista seja finalmente vencida para que profissionais pequenos como este não mais sintam-se no direito de utilizar argumentos tão esdrúxulos para desempenhar o seu trabalho – e compreendam, ainda que forçosamente, que a justiça exige o mínimo de empatia e bom senso.