O que o filme “A Grande Beleza” ensina sobre a grande feiúra das nossas cidades

Atualizado em 27 de outubro de 2014 às 11:41

 

“A Grande Beleza”, o comentado filme do italiano Paolo Sorrentino, candidato ao Oscar de melhor filme estrangeiro, fala muito a nós, jornalistas, menos por colocar como narrador e protagonista Jep Gambardella, um sexagenário e celebrado jornalista, do que por exibir um mundo superficial, entediante e sem saída onde a inação tem tanto valor quanto o voluntarismo; e em que a frivolidade que nos é tão próxima não é propriamente indigna, é apenas inexorável.

Sorrentino disse a Larry Rohter, no New York Times, em dezembro, que “sente em Roma (onde o filme se passa) que o sentido da vida é fútil”, que lá “não é possível encontrar um real significado (para a vida).”

Não é uma contradição, mas quem for ver “A Grande Beleza” provavelmente sairá convicto de que não há cidade mais linda no mundo do que Roma. E também não deve existir apartamento melhor do que o de Gambardella, ao lado do Coliseu. E é na verdade disso que quero falar.

Disse Sorrentino a Rohter: “Roma é uma das cidades mais lindas do mundo, mas foi feita por italianos muitos anos atrás. Hoje não somos capazes de replicar essa beleza. O contraste entre a beleza da cidade e a falta de beleza das pessoas é motivo de reflexão.”

Pois aqui no Brasil a vida também é tantas vezes frívola, com a possível diferença que as cidades também são feias. Para ficar na analogia, uma versão brasileira do filme de Sorrentino poderia se chamar “A Grande Feiúra”. Chamaram-me a atenção, a esse propósito, dois textos que li recentemente.

Em sua coluna dominical no Globo, Caetano Veloso disse: (…) “Porque nós podemos dizer hoje que as cidades brasileiras estão entre as mais feias do mundo todo”. E sobre Salvador, seu tema do dia: “Os muitos prédios feios e as fachadas deformadas de antigos sobrados confirmam as piores observações de Lévi-Strauss. (…) Se tivéssemos podido planejar a modernização (…) teríamos hoje uma joia do Atlântico Sul em lugar do caos que vemos.”

O jornalista Rodolfo Lucena, que está nestes dias desvendando a cidade de São Paulo sob o pretexto do aniversário de 460 anos da capital dia 25, um trabalho belíssimo, disse a respeito do bairro de Guarapiranga: “Nos seus primeiros dois quilômetros, é puro asfalto, cinza, feiura (sei que volto a me repetir, mas, com raras e conhecidas exceções, a cidade de São Paulo é muito feia, suja, abandonada. Na manhã nublada de hoje, então, as coisas ficavam ainda piores).”

Do planejamento inexistente à falta de vontade política, da subordinação geral aos interesses imobiliários e da indústria automobilística, tudo parece compor um cenário que só não é pior porque o pior já foi atingido. Pense nos rios de TODAS as nossas capitais. E assim mesmo, paradoxalmente, fecho com Caetano, a quem ultimamente só faço discordar, que acabou por ver uma estranha esperança em Salvador e no Brasil.

Cito: “O que excita é a esperança inacreditavelmente renovada de que, apesar de tudo, ainda vai dar para fazer alguma coisa. E a certeza maluca de que se fizermos será algo grandioso, como a entrada no Reino do Espírito Santo. Digo que a esperança se renova inacreditavelmente e que a certeza é maluca porque o olhar realista para a feiura visual e social produz ceticismo.”

E a melhor passagem: “No meio do ano passado, eu estava indo com Moreno da parte do Rio Vermelho onde ele tem apartamento para a parte do Rio Vermelho onde tenho uma casa. Era noite, fazíamos um retorno na Avenida Garibaldi — onde não há senão construções modernas sem elegância nem imaginação — e chovia sem parar. Comentei minha constatação de que a cidade estava totalmente desprovida de encantos. Moreno respondeu apenas “Eu adoro”.

Eu também chego a adorar certos quarteirões totalmente desprovidos de charme de São Paulo. Não temos aqui o Bar Urca nem a Santa Maria Maggiore. De onde vem essa estranho sentimento, essa esperança quase idólatra na redenção de nossas cidades e em nós mesmos? Sou, somos todos fanáticos?