O que significa a ampliação da presença chinesa no Brasil

Atualizado em 20 de maio de 2015 às 10:36
Dilma e o primeiro-ministro  Li Keqiang no Palácio do Planalto
Dilma e o primeiro-ministro Li Keqiang no Palácio do Planalto

Publicado na DW.

 

A visita ao Brasil do primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, com a intenção de investir cerca de 53 bilhões de dólares no país eleva as relações entre Brasília e Pequim a um novo patamar e pode ampliar a presença dos chineses no país.

Antes centrada na compra de commodities brasileiras e na pequena participação de empresas chinesas na exploração do megacampo de petróleo Libra, no pré-sal, agora os chineses pretendem investir de forma maciça em infraestrutura: ferrovias, portos, aeroportos, rodovias e hidrelétricas.

Ainda não está claro como o investimento “estratosférico”, nas palavras de José Alfredo Graça Lima, subsecretário-geral do Itamaraty, será realizado. Mas é provável que seja por meio da compra de participação em negócios nos futuros leilões de concessão de infraestrutura, a serem divulgados pela presidente Dilma Rousseff no início de junho, ou por meio de financiamentos de bancos chineses a obras do tipo.

“O gigantismo comercial da China, que há dois anos se converteu na maior exportadora e importadora do mundo, não se fez acompanhar do papel do país como grande fonte de investimentos estrangeiros diretos”, afirma Marcos Troyjo, diretor do BricLab da Universidade de Columbia. Agora o país estaria buscando compensar essa lacuna.

O anúncio de investimentos no Brasil segue na esteira da concretização do plano da China de elevar os investimentos na América Latina para 250 bilhões de dólares na próxima década. A promessa havia sido feita pelo presidente chinês, Xi Jiping, num discurso em janeiro aos chefes de Estado e governo dos países-membros da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e do Caribe (Celac).

Investimento bem-vindo

O dinheiro chinês chega num momento em que o Brasil implementa diversos cortes no orçamento e no investimento em infraestrutura. Segundo Márcio Sette Fortes, professor de relações internacionais do Ibmec/RJ e ex-diretor da Câmara de Comércio Brasil-China, esse dinheiro é essencial para contribuir com o reaquecimento da economia.

“O Custo Brasil tem a chance de diminuir com a presença maciça do capital chinês. Isso não melhora a tributação ou diminui a corrupção, mas contribui para reduzir custos logísticos e de infraestrutura precária,” afirma.

Li e a presidente Dilma deverão assinar em Brasília cerca de 30 acordos, entre eles diversas parcerias de investimentos e a ampliação do comércio entre os dois países.

Entre um dos projetos possíveis está a construção da ferrovia Transoceânica, que deve ligar o Porto do Açu, no Rio de Janeiro, ao Porto de Ilo, na costa do Peru. O corredor de trilhos entre os oceanos Atlântico e Pacífico vai abrir uma saída para os produtos brasileiros como grãos e carnes para o Pacífico, sem que a carga precise passar pelo Canal do Panamá. O objetivo é tornar as mercadorias mais competitivas e com um menor custo também para a China.

A proposta gera polêmica por conta do elevado custo da construção, que passará pela Cordilheira dos Andes, e pelo impacto ambiental, já que a linha férrea teria que passar pela região amazônica brasileira e peruana. Segundo Graça Lima, a ferrovia deverá ficar pronta entre três e quatro anos. O valor ainda não foi calculado, mas há estimativas de que a conexão, de cerca de 5,3 mil quilômetros, chegue a custar cerca de 10 bilhões de dólares.

Ganhos e riscos

A nova fase da parceria bilateral terá deve aumentar a presença de empresas chinesas no país, de olho no potencial do mercado brasileiro. Exemplos recentes são as montadoras Chery, que inaugurou uma fábrica no Estado de São Paulo em 2014, e JAC Motors, que inaugurará uma fábrica na Bahia em 2016. A China vê no Brasil também uma plataforma de exportação para outros países latino-americanos.

Para Ana Soliz de Stange, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), em Hamburgo, o Brasil e os países vizinhos ganham com o desenvolvimento de projetos de infraestrutura que antes eram postergados. Mas também há risco de um desfecho negativo.

“Vai depender da maneira como o Brasil e os outros países vão negociar cada um dos projetos: se a mão de obra será latino-americana ou chinesa, se eles vão se comprometer a respeitar as leis trabalhistas e se, em projetos como a ferrovia Transoceânica, o controle e a administração serão mantidos, majoritariamente, nas mãos dos governos latino-americanos”, afirma Stange.

Uma das parcerias a ser assinada nesta terça-feira (19/05) deverá concretizar a venda de 22 aviões da Embraer a duas empresas aéreas chinesas, como parte dos 60 jatos já negociados no ano passado, durante a visita de Xi Jinping. Outro anúncio deverá ser a abertura do mercado da China à carne bovina brasileira, restrito desde o final de 2012, quando foi registrado no Brasil um caso atípico do chamado “mal da vaca louca”.

Desde 2009, a China é o principal parceiro comercial do Brasil. Em 2014, as trocas comerciais totalizaram 77,9 bilhões de dólares, e o Brasil obteve superávit de 3,3 bilhões de dólares. Esta é a segunda vez que um alto líder chinês vai à região em menos de um ano, depois da visita do presidente chinês ao Brasil, à Argentina, Venezuela e Cuba.

Destino: América do Sul

Depois da visita ao Brasil, o primeiro-ministro chinês e a sua comitiva de 120 empresários seguirão para Colômbia, Peru e Chile – países que fazem parte da Aliança do Pacífico, bloco econômico que também desperta interesse da China por oferecer boas oportunidades de negócios e investimentos para o gigante asiático.

Em Bogotá, Li deverá firmar convênios para intensificar a cooperação em investimentos, infraestrutura, agricultura e comunicações. Em Lima, o ponto principal será a ferrovia Transoceânica e dezenas de acordos em setores como energia e agricultura. Na última parada, Chile, país que detém um acordo de livre-comércio com Pequim desde 2005, Li deve aprofundar as conversas para fechar tratados nas áreas de energia solar e eólica.