O que significa o surto de ódio e racismo do diretor do musical sobre Chico. Por Marcos Sacramento

Atualizado em 25 de março de 2016 às 18:32
Botelho
Botelho

 

Vejo entre amigos do Facebook e grupos em que participo negros apoiando o impeachment da presidente Dilma Rousseff ou adotando uma postura neutra revoltada, sob a justificativa de que nenhum dos lados do debate se importa com as questões raciais.

Depois do chilique do diretor de teatro Cláudio Botelho durante a apresentação da peça “Todos os Musicais de Chico Buarque”, em Belo Horizonte, não há dúvidas de que o lugar dos negros nesta história é pela defesa da democracia e contra o golpe travestido de impeachment.

Ao ser criticado com gritos de “não vai ter golpe” após atacar a presidente da república e o ex-presidente Lula durante a apresentação do último sábado (19), o diretor saiu do palco e foi para o camarim, onde desabafou aos berros com a atriz Soraya Ravenle.

“O ator que está em cena é um rei, não pode ser peitado por um negro, por um filho da puta que está na plateia”, disse Botelho.

O áudio da conversa foi divulgado na internet pela Mídia Ninja. Questionado pela amiga atriz de que o comentário foi inoportuno neste momento tenso em que o país atravessa, ele disse que “isso aqui são bandidos, são pessoas armadas”, entre outros lugares comuns usados pelos revoltados online.

Ao jornal O Globo, ele disse que usou a expressão “nego” no sentido de pessoa e não “negro”. Mas um dos presentes ao espetáculo que se sentiram contrariados com o proselitismo de Botelho, o ator Adir Assunção, é negro, e chegou a enviar um e-mail para o Chico Buarque contando o incidente.

Outro ponto questionável é que “nego”, no sentido de pessoa, vem sempre como sujeito na frase. Se ele dissesse “nêgo vai ao teatro para peitar o ator” não haveria indícios de racismo, mas a forma com que Botelho usou a palavra deixou o sentido no mínimo suspeito.

As postagens de Botelho no Facebook deixam ainda mais frágil a tese do “nego” como sinônimo de pessoa. Reveladas pelo site Viomundo, mostram um elevado grau de analfabetismo político.

“Notícia de suma importância: Lindbergh Farias e Jandira Feghali morreram. Não morrera de fato, porque para morrer, é necessário estar vivo. E vermes não vivem; vicejam. Vou dormir mais feliz hoje, porque sei que essa dupla vai pelo ralo junto com a Máfia geral, e que no máximo serão síndicos dos seus prédios. Portanto, morreram! Viva a morte de Lindinho e Fegalona, a mulher que nunca comprou um pente (sic)”, postou pouco tempo atrás.

Como tantos coxinhas que gritam contra a corrupção, Botelho tem seus esqueletos no armário. Sua empresa, a Moeller e Botelho Produções Artísticas Ltda, foi alvo de uma ação do Ministério Público Federal sobre irregularidades no SESC relativas a uma quantia de R$ 34,2 milhões, usada para contratações das empresas sem licitação e sem tomadas de preços.

Para completar o currículo, Botelho é ganhador do prêmio Faz Diferença, do jornal O Globo.

O teor preconceituoso da fala de Botelho tem eco entre os que se dizem indignados com a corrupção e querem a queda do governo custe o que custar. No final do ano passado, um desses revoltados, assustado com a presença de skatistas em uma manifestação no Rio de Janeiro, disse que “polícia se assustou, porque eles eram de cor e realmente assusta, a imagem”.

Salvo escassas exceções, essa turma que sai às ruas vestida de verde e amarelo não está interessada na erradicação da pobreza e diminuição da desigualdade social, ações que impactam diretamente a população negra.

O depoimento de Botelho resume o pensamento das ruas, tosco, tacanho, violento e racista. Sintetiza a ideologia de quem foi doutrinado pelo Jornal Nacional e idolatra um juiz que atropela a Constituição Federal em nome da ânsia de ver Lula na cadeia.

Só existe um lugar para o povo preto na pior crise política brasileira dos últimos, que não é em cima do muro e muito menos ao lado do MBL, dos bolsomitos e das viúvas da ditadura.