O relato do único jornalista ocidental a ter acesso ao Estado Islâmico

Atualizado em 25 de dezembro de 2014 às 11:08
O jornalista com os jihadistas
O jornalista com os jihadistas

Publicado na BBC Brasil.

 

Um jornalista alemão que obteve acesso raro ao território comandado pelo grupo autodenominado Estado Islâmico (EI) no Iraque disse em entrevista à BBC que o grupo é mais forte, mais violento e mais difícil de enfrentar do que se imagina.

Jüergen Todenhöefer passou seis dias na cidade de Mosul, a segunda maior cidade iraquiana, hoje comandada pelo EI. Ele conseguiu chegar à cidade através de Raqqa, na Síria.

Segundo Todenhöefer os seguidores do EI estão extremamente motivados e dão todo apoio à brutalidade do grupo. Ainda segundo o autor, o fato de os militantes estarem espalhados pela cidade dificulta que eles sejam atingidos pelos ataques aéreos ocidentais.

O alemão testemunhou o grupo impor sua versão radical do islamismo sunita: cartazes dão instruções de como os homens devem se posicionar durante as orações e dizem às mulheres como elas devem se cobrir.

 

As pessoas são instruídas, por exemplo, a não usar roupas que “lembrem as usadas por mulheres ou homens infiéis”.

Imagens em painéis publicitários foram pintadas de preto e as livrarias exibem panfletos e livros sobre regras religiosas, incluindo instruções para o tratamento de escravos.

O autor viu também crianças combatentes que carregavam armas para o chamado “califado” e encontrou recrutas do mundo todo, incluindo países como a Grã-Bretanha, Estados Unidos, Suécia e Trinidade e Tobago.

 

Governar pelo medo

Ex-político na Alemanha, Todenhöefer é o único estrangeiro que conseguiu viajar e sair do território comandando pelo grupo.

Na conversa que teve com a BBC em sua casa, em Munique, ele afirmou que ficou chocado com o entusiasmo pela violência e a ambição do grupo em levar a cabo o que chama de “limpeza religiosa” em paralelo à expansão do seu território.

“Existe um entusiasmo que eu nunca vi antes em uma zona de guerra”, afirmou.

“Eles estão tão confiantes, têm tanta segurança. No começo deste ano, poucas pessoas conheciam o EI. Mas agora eles conquistaram uma área do tamanho da Grã-Bretanha. Isto é um movimento de 1% (de pessoas) com o poder de uma bomba nuclear ou de um tsunami.”

 

Filmado pelo filho, com um documento que garantia a segurança de ambos, o material colhido por Todenhöefer dá a impressão de que o EI está mais preocupado em consolidar uma burocracia e permanece relativamente imune aos efeitos dos ataques aéreos da coalizão.

“Tive a impressão de que eles querem mostrar que o Estado Islâmico está funcionando”, disse Todenhöefer.

O autor afirmou ainda que, na superfície, a vida parece mais normal do que ele esperava. Mas todos os cristãos e xiitas já fugiram de Mosul depois que os militantes do EI assumiram o poder.

O grupo agora tem seu próprio sistema judiciário, com bandeiras do EI penduradas nos tribunais. E também a própria polícia aplicando a severa lei islâmica.

O chefe da polícia local disse ao jornalista que não precisa mais administrar punições violentas na cidade: o medo, segundo Todenhöefer, parece funcionar como uma espécie de prevenção da violência.

 

Pessimista

Mas o que deixou o jornalista mais assustado foram as conversas que teve com militantes, ele conta. O autor disse que lembrava aos combatentes que a maioria dos capítulos do Corão começava com as palavras “Alá… o mais misericordioso”.

“Eu perguntei: onde está a misericórdia? Nunca consegui uma resposta.”

Todenhöefer estima que a cidade de Mosul agora está sendo mantida por alguns milhares de combatentes.

O autor acredita que o EI é mais forte no Iraque que na Síria. Na cidade síria de Raqqa, por exemplo, o quartel-general do grupo, ele afirma que o presidente sírio Bashar al-Assad ainda paga os salários dos funcionários do governo.

“Eles são os inimigos mais violentos e perigosos que já vi em minha vida. Não vejo ninguém com chances reais de pará-los. Apenas os árabes podem parar o EI. Voltei muito pessimista.”

Todenhöefer disse que teve sorte em conseguir voltar para casa, levando em conta o número de ocidentais que foram decapitados pelo grupo.

Ele negociou o acesso ao território com um jihadista alemão durante meses e levou consigo, durante a viagem, uma permissão escrita emitida pelo “gabinete do Califado” que o protegeu em várias ocasiões.

“Algumas vezes, temi que eles pudessem mudar de ideia”, disse.

Foi esse temor que, no fim, o fez decidir fugir com o filho pela fronteira com a Turquia. “Tive que correr por mil metros, com nossas malas e todas as nossas coisas”, contou.

“Quando chegamos, senti uma felicidade incrível. Percebi então que estava carregando toneladas nos ombros. Liguei para minha família e, naquele momento, percebi que o que eu tinha feito não tinha sido fácil.”