O sentido da Marcha das Vadias

Atualizado em 29 de dezembro de 2014 às 9:54

Como o movimento virou um símbolo da afirmação das mulheres contemporâneas.

 

O texto abaixo, de autoria da estudante de cinema Anna Carolina Iunes, foi publicado no Blog da Redação.

Uma saia curta não é convite para estupro, um corpo bonito não é motivo para cantadas grosseiras.

Segundo dados da ONU, aproximadamente uma em cada cinco mulheres será vítima de estupro ou tentativa de estupro no decorrer da vida.

O número de assédios sexuais está ligado à cultura machista e patriarcal que promove o pensamento da mulher como alguém inferior – além de fomentar ideias como a não liberdade sexual ou a criminalização do aborto.

O movimento feminista tem o papel de desconstrução do comportamento sexista, com o objetivo de uma vivência mais igualitária.

Apesar de ter raízes no século XIX, o feminismo teve seu ápice nas décadas de 1960 e 70, e agora retorna com movimentos por todo o mundo, tendo a “Marcha das Vadias” como um deles.

“Se ser livre é ser vadia, então eu sou vadia” – uma fala impactante, e que carrega um grito por liberdade e igualdade.

A declaração é uma resposta: em janeiro de 2011, na Universidade de Toronto, Canadá, o policial Michael Sanguinetti, ao falar sobre abusos sexuais, comentou: “As mulheres deviam evitar se vestir como vadias, para não serem vítimas”.

O argumento de Sanguinetti teve repercussão mundial e como reação surgiu a “Marcha das Vadias”. O movimento se espalhou no mundo e por todo o Brasil.

Não há líder, partido e nem um centro organizacional. As reuniões são feitas regularmente em locais diversos: a sala de uma faculdade, uma praça ou, até mesmo, um bar.

São designadas comissões – segurança, comunicação etc. Há divisão de tarefas sem hierarquização de poder.

É um movimento aberto – abarca pessoas de todas as cores, sexualidades e gêneros. Qualquer um pode participar da organização e da marcha em si; o contato é feito através de página online. 

Atualmente, luta-se pela laicidade do estado, regulamentação da prostituição, legalização do aborto, descriminalização de gênero e por mais liberdade sexual do indivíduo, sobretudo da mulher que é moralmente julgada quando exerce sua sexualidade livremente.

A Marcha vive, constantemente, um combate ideológico. O termo “vadia” assusta à primeira vista e muitos acabam por não compreender a verdadeira motivação ideológica.

O movimento tornou-se um espaço de fala, de argumentação com os ideais machistas tão intrínsecos e reafirmados, o tempo todo, na sociedade.

É como define Gabriela da Fonseca, 25 anos, estudante de História e integrante da Marcha: “Vivemos pequenas violências diariamente que não nos deixam ser plenas. A Marcha das Vadias é onde podemos reivindicar nossos direitos e expor nossos pensamentos

A Marcha do Rio de Janeiro conta com o apoio do movimento de outras cidades próximas: Viviane Faria pesquisadora de 36 anos, veio da Marcha da Baixada Fluminense.

Viviane canta letras de funk que ela mesma compôs, sempre colocando o papel da mulher em foco. Ela vê o funk como uma forte manifestação cultural de ideais feministas – mal elaborados, muitas vezes.

Além da presença de outras cidades, há também, na Marcha do Rio, a expressão da luta de transexuais e prostitutas por direitos iguais e respeito.

Indianara Siqueira, transexual de 42 anos e prostituta por opção desde os 18, é símbolo dessa luta; foi responsável pelo fim da “cafetinagem” em Copacabana, diminuindo a exploração de mulheres no local.

Indianara já morou na Europa e foi presa na França por ter dado abrigo a prostitutas que estavam em regime desumano de trabalho. Hoje se dedica à regulamentação da prostituição.

O movimento cresce, e cresce junto dele a conscientização. A Marcha é um ícone do feminismo atual: pretende muito mais do que só queimar sutiã em público: empenha-se para construir — e conquistar — uma vivência igualitária de direitos e condições de vida.