O silêncio dos evangélicos no caso do estupro coletivo da adolescente. Por Hermes Fernandes

Atualizado em 27 de maio de 2016 às 17:55

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Ao deparar com a triste notícia da adolescente estuprada por mais de 30 homens numa comunidade do Rio (bem próxima da minha casa), confesso que perdi o chão. Quis externar minha indignação (não sei se deveria chamá-la de santa), e usei as redes sociais para isso. Tive que me conter para não dizer uns impropérios. Não foi um post pensado como este que escrevo agora. Foi um desabafo.

Eu tinha que expor meus sentimentos antes de embarcar no avião que me levaria para São Paulo, onde seria entrevistado por um programa de TV. Mas minhas palavras ecoaram internet afora causando reações totalmente antagônicas, e algumas extremadas. Até a imagem que usei no post se popularizou a ponto de muitos a colocarem no lugar de suas fotos de perfil.

Segue abaixo meu desabafo, e em seguida algumas das reações e minha resposta a elas.

“O que dizer do estupro coletivo de uma adolescente perpetrado por mais de 30 homens em pleno século XXI na cidade escolhida para sediar os Jogos Olímpicos? Os criminosos fizeram fotos e vídeos dela no chão, com a vagina e o ânus sangrando enquanto eles gargalhavam, e ainda tiveram a ousadia de publicarem no Twitter! Onde estão os defensores da moral e dos bons costumes? Por que se calam os que esbravejam pela família tradicional? E ainda têm coragem de combater qualquer política que vise proteger a mulher, bem como os homossexuais deste tipo de desumanidade! Quão hipócritas somos! Não merecemos ser chamados de cristãos! Somos cúmplices deste estupro! Conquanto nos calamos, consentindo vergonhosamente com o crime. Se ainda fosse um silêncio reverente ante a dor… mas, não! É o silêncio de quem não está nem aí, e com a maior cara de pau, sai às ruas em suas “marchas para Je$U$”, celebrando nossa estupidez, apatia e falta de amor. A menina tinha apenas 16 aninhos! Foi dopada e estuprada por homens desprovidos de qualquer senso de humanidade. Se sua dor não for a nossa, então, teremos tomado parte desta monstruosidade. Que Deus tenha compaixão dela e todos nós.”

 

Talvez eu devesse ter sido mais comedido em minhas críticas à nossa letargia. Mas assim, eu não estaria sendo sincero. Minha crítica não se dirigiu a A ou B, mas a todos nós. Eu não disse “quão hipócritas eles são” e sim “quão hipócritas somos”. Isso, porque ainda me considero parte deste segmento, apesar da minha relutância. Tenho uma história que remonta várias gerações.

Amo a igreja de Cristo, mas detesto aquilo no qual ela está se tornando, abraçando um discurso de ódio às minorias, entrincheirando-se contra aqueles a quem deveria defender.

Alguns entenderam que minha fala não passava de apologia a uma determinada ideologia. Longe disso! O que apontei foi a hipocrisia de quem vive a defender a família em seus moldes tradicionais, porém, não demonstra qualquer compaixão por alguém que sofra algo tão monstruoso quanto um estupro coletivo.

Indignamo-nos com um comercial de TV onde homens e mulheres brincam de alternar suas roupas, ou com um beijo consentido entre dois adultos do mesmo sexo, mas não demonstramos a tal “santa indignação” num episódio desta gravidade.

Um dos comentaristas concluiu: “Infelizmente o Bispo Hermes se aproveita de um caso tão triste para atacar os que pensam diferente dele… está ficando feio isso… Conservadores e os que defendem a “família tradicional” são os que defendem maior punição para esses bandidos, ao contrário da ideologia tão defendida pelo Hermes, que ainda irá tratar esses 33 homens como vítimas da sociedade…”

Não estou atacando ninguém. Estou cortando na própria carne. Os estupradores devem ser severamente punidos. Não são uns coitados. Porém, a sociedade tem uma considerável parcela de responsabilidade na degeneração de sua juventude.

Por trás da atrocidade cometida, há uma cultura de estupro, que diminui a mulher, que a torna mero objeto, um ser de segunda classe. A cultura do estupro é um efeito colateral extremado do machismo vigente em nossa sociedade.

Teve até quem conseguiu encontrar espaço para humor em sua crítica ao meu post. Repare no tom jocoso do comentário abaixo:

“Segundo ONGs da esquerda, e os direitos humanos, a menina estuprada será processada, por colocar as vítimas da sociedade, que vivem na favela e estavam armadas para se proteger da polícia opressora, por danos morais.”

Que falta de sensibilidade! Que sarcasmo impróprio para um momento de tamanha dor!

Outro comentarista conseguiu enxergar em meu post um incentivo à luta de classes: “Triste, uma barbárie desta e ainda ficarmos preocupado em que lado estamos direita ou esquerda. É mais triste ver a hipocrisia deste pastor aproveitando a desgraça alheia para usar em briga de classes. isso sim é estratégia de esquerda, que no fundo quer que todos se lasquem e o que importa no fundo é o lucro.”

Lucro? Estou aqui tentando entender de que maneira se pode extrair algum lucro de um episódio como este? Lucro a gente consegue quando propõe o boicote de uma marca para beneficiar outra que nos patrocina. Lucro a gente consegue quando usa uma manifestação como as marchas para Jesus com o objetivo de demonstrar capital político.

Cada vez que um político sobe num trio elétrico daqueles, verbas públicas são direcionadas para patrocinar os projetos megalomaníacos de líderes religiosos que não veem mal algum em negociar os votos do seu rebanho.

Culpar a vítima é o cúmulo. Imaginar que cristãos se prestem a isso é preocupante. Que evangelho estão lendo, afinal? Em que cartilha estão rezando? Talvez até sigam um Messias que tenha sido batizado no Rio Jordão, mas certamente não é o que foi gerado no ventre da bendita virgem.

Soube que alguns defensores da moral e dos bons costumes foram à página do G1 dizer que se ela estivesse em casa lavando louça, não teria sido violentada. Pelo amor de Deus! Ainda há mentes tão tacanhas assim? É justamente esta a mentalidade que os torna cúmplices daquele estupro coletivo, posto que reduz a mulher ao ambiente doméstico.

Isso é ridículo! Machismo do mais descarado e nojento. Tenho ânsias de vômito só em pensar. Vão se converter a Cristo, seus machistas de merda! Tomem vergonha na cara!  Enquanto vocês insistirem com este discurso que estigmatiza e inferioriza as mulheres, ditando o que devem vestir, como devem se comportar e que espaço devem ocupar, privando-as de ter autonomia para decidir por si mesmas, vocês serão cúmplices de toda violência que se pratique contra a mulher.

Somos uma sociedade capaz de rir de piadas machistas e homofóbicas sem qualquer recato. Prova disso é a confissão que Alexandre Frota fez num programa de TV em rede nacional de ter praticado um estupro, sendo, então, aplaudido pela plateia.

Agora, este mesmo ser tem a petulância de visitar o ministro da educação para lhe fazer sugestões para melhorar a qualidade da educação no país. Só mesmo a graça divina para que não percamos a esperança de que este mundo possa mudar. Não que ele seja ruim. Só está muito mal frequentado ultimamente.

P.S.: Como se não bastasse o silêncio ensurdecedor das lideranças evangélicas diante deste crime hediondo, os deputados Marco Feliciano e Jair Bolsonaro, em conluio com a bancada evangélica, estão tentando derrubar a Lei 12.845/13 que garante à vítima de estupro pleno atendimento hospitalar, policial e psicológico através da PL 6055/2013 de autoria de Feliciano e do deputado Pastor Eurico (PSB-PE). Talvez venha daí a ausência de qualquer manifestação solidária à menina vítima do estupro coletivo.