O sonho da reunificação das Coreias só será possível depois da guerra. Por Carlos Fernandes

Atualizado em 8 de setembro de 2017 às 17:52
A Dorasan Station, a última antes da fronteira, fechada aguardando uma solução

Ninguém jamais entendeu de fato um conflito ouvindo apenas um dos lados. A partir dessa lógica irrefutável, fui bater à porta da Coreia do Norte.

Chegar lá, porém, não é tarefa das mais fáceis.

Diferentemente da Coreia do Sul, brasileiros precisam de visto para entrar no país. Ainda que exista uma embaixada norte-coreana em Brasília, o visto não é fornecido diretamente ao solicitante como é costume nos demais países.

Para ser aceito na Coreia do Norte, é preciso contratar uma empresa de turismo autorizada pelas autoridades responsáveis. Essa empresa é quem cuida de tudo, inclusive quais passeios você poderá fazer durante a sua estadia.

Se o intuito da visita é jornalístico, as chances de sucesso praticamente zeram. Ainda que pudesse alegar simplesmente motivo de turismo, há sempre um risco a correr. Pelo sim e pelo não, preferi não arriscar.

Obviamente, não existe nenhuma representação diplomática da Coreia do Norte em Seul. Partindo daqui por via terrestre, o mais perto que se pode chegar de Pyongyang é até a famosa DMZ, a zona desmilitarizada que marca a fronteira entre as duas coreias.

Formada por uma faixa de 4 km (2 km de cada lado da fronteira) que corta a península coreana de costa a costa, a DMZ fornece um ponto de observação onde se pode ver a terceira maior cidade do país, vilas de agricultores e algumas cidades cenográficas utilizadas pelo governo norte-coreano para sua propaganda oficial, além, é claro, de muitos militares de ambas as nações.

Dali é possível verificar que nem toda relação entre as coreias é conflituosa.

Chega a ser surpreendente que boa parte da energia utilizada pelas fábricas instaladas no sul da Coreia do Norte é fornecida regularmente pela Coreia do Sul.

Evidentemente que apenas as impressões deixadas pelo contato superficial que se tem na DMZ não nos permite afirmar muita coisa sobre o cotidiano dos norte-coreanos.

Para informações mais consistentes, tentei, sem sucesso, telefonar para a embaixada do Brasil em Pyongyang. Nosso atual embaixador na Coreia do Norte é o diplomata Cleiton Schenkel.

Nada obstante não ter conseguido contato, segundo declarações dele concedidas recentemente, o clima no país é de “relativa normalidade”.

Ainda segundo o embaixador, inimigos de muito tempo dos Estados Unidos, o atual conflito para os norte-coreanos surge apenas como mais do mesmo.

O que fica claro pelo que se vê no cotidiano das pessoas tanto na Coreia do Sul quanto na do Norte é que existe um certo distanciamento entre o sentimento particular das pessoas em relação a tudo o que está acontecendo atualmente e o que de fato está sendo praticado pelos governos envolvidos.

Claro está que as restrições a informações internacionais mantidas pelo regime de Kim Jong-un ao seu povo, tanto quanto as sanções econômicas impostas pelos países do ocidente, mais notadamente os Estados Unidos, forjam na mente do povo norte-coreano um conceito um tanto quanto distorcido da realidade mundial.

Mas o que se sobressai disso tudo é que diferentemente do que impera nas práticas dos líderes das nações envolvidas – principalmente Coreia do Sul, Coreia do Norte, Estados Unidos, Japão e China – é que tudo que as pessoas daqui querem é seguir suas vidas em paz e união.

Para nós brasileiros que atualmente possuímos um presidente que não representa ninguém e atende interesses particularmente estadunidenses, a situação das coreias não deveria ser algo muito difícil de entender.

Os interesses políticos e econômicos de governantes nem sempre (ou quase nunca!!!???) dizem respeito aos interesses de seu povo.

Enquanto líderes mundiais pregam a guerra, o povo das duas coreias já estão prontos desde há muito tempo para uma sonhada reunificação.

Na estação de trem de Dorasan Station, a última antes da fronteira, o portão de embarque em direção à Pyongyang continua fechado aguardando uma solução definitiva que reunifique ou que, pelo menos, oficialize a paz e as relações entre os dois países.

Já no War Memorial of Korea em Seul, existe uma torre com um relógio que marca a data e a hora exata do início da guerra. Ao lado, outro relógio espera solenemente para que outra data e hora seja marcada e assim possa também ser elevada à torre.

A torre do relógio marca a hora exata em que a guerra entre as Coreias começou

Isso acontecerá quando o fim oficial da guerra entre os irmãos seja oficialmente decretada.

Da minha parte, que apesar da pouca convivência aprendi a amar e respeitar norte e sul-coreanos, espero que esse dia não tarde, apesar da triste convicção de que ainda estamos longe de uma solução.

Às Coreias do Norte e do Sul, meu muito obrigado.

Japão e China me esperam.