O termo “auto de resistência” pode ser abolido, mas a PM continuará matando. Por Mauro Donato

Atualizado em 6 de janeiro de 2016 às 14:37

auto de resistencia

 

Ainda não é a aprovação do PL4471, mas desde segunda-feira uma resolução do Conselho Superior de Polícia e do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil aboliu a utilização do termo ‘auto de resistência’ nas ocorrências de morte envolvendo policiais.

A publicação no Diário Oficial do último dia 4 era uma exigência antiga do Conselho Nacional de Direitos Humanos, feita em 2012 (mesmo ano de formulação do projeto de lei 4471), mas na realidade apenas abolir o termo de pouco adianta.

Sobretudo quando o substitutivo para o anacrônico “resistência seguida de morte” é “morte decorrente de oposição à violência policial”. O PL4471 propõe que use “morte decorrente de intervenção policial”.

O PL4471 é muito mais amplo do que apenas uma questão de redação nos boletins de ocorrência. Ele reforça a obrigatoriedade de abertura de inquéritos em todos os casos de morte causadas pela polícia, obriga a preservação da cena do crime e realização de perícia, veta o transporte de vítimas pelos policiais.

Entidades de direitos humanos estão criticando o uso do termo “morte decorrente de oposição à violência policial” e com toda razão. No processo judicial isso faz toda a diferença e perpetua um quadro que deve ser alterado.

Para azar das polícias existem as estatísticas e apenas um dia depois da publicação da medida no Diário Oficial a imprensa também divulgou um levantamento sobre o número de pessoas mortas pela Polícia Militar durante o ano de 2015 (até novembro) e ele é maior do que 2006 inteiro, ano em que ocorreram os ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC).

No estado de São Paulo foram registradas 532 mortes por PMs em serviço entre janeiro e novembro de 2015 contra as 495 mortes de 2006. Ou seja, supera um dos anos mais violentos da história de São Paulo.

É um cenário como esse que faz com que 60% dos paulistanos tenham mais medo do que confiança na Polícia Militar (Datafolha). Portanto, a simples troca de um termo por outro de nada adiantará se as práticas permanecerem as mesmas e as apurações se mantiverem preguiçosas. E infeliz daquele que tenta mudar isso.

Em outubro do ano passado o delegado Raphael Zanon prendeu um sargento da PM acusado de prática de tortura. Qual o resultado? O delegado viu a delegacia cercada por PMs, precisou sair protegido por colegas, ganhou escolta que se estendeu inclusive para os familiares mais próximos (as ameaças não foram exclusivas a ele).

Quando nem um delegado está em paz para trabalhar e cumprir seu dever, o que se pode concluir? Que o cidadão comum terá justiça se torturado for? Se for negro, pobre e morador da periferia então, como já disse Fabio Porchat no papel de juiz em um vídeo do Porta dos Fundos: “nem traz”.

Parece que nada tem impedido as polícias de forjarem resistência, de simularem ter sido recebido a tiros, de praticarem suas vinganças em forma de chacinas. O primeiro passo é o de debater seriamente e com grande amplitude a pauta da desmilitarização. Tudo passa por aí. Enquanto nada for feito, trocar ‘resistência’ por ‘oposição’, é só perfumaria. As polícias não têm mais a confiança da sociedade e isso é muito mais grave que uma questão semântica.