Paulo Nogueira explicou o triunfo de Alberto Dines

Atualizado em 22 de maio de 2018 às 17:50
Um crítico histórico da “Hípica”

Este artigo foi publicado em 2013 e está sendo postado novamente em homenagem a Alberto Dines, morto nesta terça, 22

O jornalista Alberto Dines tinha uma boa definição sobre o código de conduta da grande imprensa brasileira. Era como se as publicações pertencessem à “Hípica”, um clube fechado no qual, por mais que os sócios se detestassem, ninguém falava publicamente nada de reprovável de ninguém.

Era bom para eles próprios, mas não, necessariamente, para o interesse público.

Dines foi, ele próprio, uma exceção de breve mas luminosa duração ao fazer, nos anos 1970, o ‘Jornal dos Jornais’ na Folha, uma crítica dominical da mídia.

Não é exagero afirmar que a carreira profissional de Dines nas grandes corporações foi praticamente liquidada por causa do inovador ‘Jornal dos Jornais’, uma das experiências mais fascinantes da história do jornalismo nacional. Dines teve que esperar a internet para, nela, construir o Observatório da Imprensa, uma espécie de versão digital do ‘Jornal dos Jornais’.

Quando diretor da Editora Globo, propus certa vez a João Roberto Marinho uma reportagem na Época sobre denúncias na internet contra a grande imprensa. Num email a JRM, que é na prática o editor das Organizações Globo, lembrei a frase de Dines sobre a Hípica. Bem, para encurtar a história, a recomendação – ordem, usemos a palavra certa – foi para não dar o texto. Também fui impedido  por JRM de reagir a uma agressão desonesta de Diego Mainardi, um pseudojornalista e pseudoescritor que fez um enorme mal ao jornalismo brasileiro.

Pois a Hípica foi invadida.

Na televisão e no mundo do papel, a Record e a Carta Capital estão publicando coisas que jamais seriam levadas ao público antes – excetuado o da internet.

Há interesses claros por trás da Record e da Carta, e o público deve levá-los em consideração. A Record quer derrubar a Globo, e tem um problema específico com a Abril, que publica a Veja. A Carta, fora a simpatia por Lula, é dirigida por Mino Carta.

Mino jamais superou o trauma de sua saída da Veja, no final dos anos 1970. A cada dia, parece detestar mais Roberto Civita, ao qual atribui sua saída. Se pudesse, Mino marcaria um encontro com Civita numa próxima vida para um acerto de contas.

Do ponto de vista jornalístico, e estilístico, o material da Carta é superior ao da Record. Basicamente, porque Mino tem um talento extraordinário. E, ideologicamente, sua simpatia pelos chamados “99%” – semelhante à social democracia europeia, representada no presidente francês François Hollande – está muito acima da exploração da fé feita pela igreja que controla a Record.

Fique, ainda uma vez, claro: há, claro, viés no conteúdo da Record e da Carta sobre o que Dines chamou de “Hípica”. Não existe nele o que os idealistas chamam de objetividade e imparcialidade.

Mas, mesmo com essa ressalva, o público lucra com o novo quadro. Sobre isso não é dúvida. Da troca de tiros vai nascer, na marra, um debate indispensável sobre quais são os limites éticos e legais do jornalismo – até que ponto jornalistas podem ir na busca de informações.

Uma descarga de transparência na mídia – nos nomes que estão aí e nos que porventura chegarem com a nova era digital – pode não ser do interesse da “Hípica” de que falava Dines, mas é de absoluto interesse público.