“Olha o meu perfil”: a carteirada de Capez na máfia da merenda em SP. Por Sacramento

Atualizado em 17 de fevereiro de 2016 às 7:47

capez

 

Suspeito de receber propina da máfia das merendas, o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Fernando Capez (PSBD), utilizou um expediente inusitado e revelador para se defender das acusações.

Em entrevista ao blog de Fausto Macedo, do Estado de São Paulo, Capez, que é promotor de Justiça, pediu que comparassem o seu perfil com o do seu ex-assessor Jeter Rodrigues Pereira, denunciado no esquema de superfaturamento da merenda escolar.

“Você já viu o perfil do Jeter? Olha o meu perfil e olha o perfil dele: está com pneumonia, cheio de dívidas, mora em uma favela, tem quarenta anos, e está prestes a se aposentar. Se um cara tem a chance de fazer uma jogada e, sei lá, ganhar 50 paus por mês, a chance de ele fazer isso é maior”, disse Capez.

Sob esta lógica, que lembra as ideias racistas e classistas do cientista Cesare Lombroso, o fato de um indivíduo ser pobre e morador da periferia o torna automaticamente mais propenso a cometer deslizes.

Em entrevista à Folha, Jeter Rodrigues, demitido em dezembro do ano passado, disse que está com dificuldades financeiras, tendo penhorado o Palio 2001 e recorrido a um empréstimo consignado de 10 mil reais para pagar dívidas.

Um link do UOL com os candidatos da eleição de 2008 mostra que Rodrigues informou à justiça eleitoral que na época não possuía nenhum bem a declarar.

No sentido oposto está o perfil de Capez, divulgado na sua página oficial. É procurador de justiça desde 1988, quando foi aprovado em primeiro lugar, autor de livros nas áreas de Direito Penal e Processual Penal, e deputado estadual desde 2006. Na declaração de bens apresentada à justiça eleitoral nas eleições de 2014 consta um patrimônio de R$ 4.960.727,40.

Enfim, um perfil acima de qualquer suspeita, pelo menos de acordo com a ideia que ele deixou escapar na entrevista.

O pensamento expresso por Capez é do mesmo tipo do que produz manchetes jornalísticas mais amenas quando os envolvidos são brancos e de classes mais abastadas. Nesses casos, um grupo de rapazes detidos com 300 de maconha é identificado como “jovens de classe média”.

Quando a apreensão é na periferia, o envolvido é logo identificado pela reportagem como “traficante”.

O que impressiona é ver um parlamentar, membro do Ministério Público e doutrinador, que deveria se ater a fatos e evidências concretas, usar um preconceito mixuruca para se defender.

Se a moda pega, daqui a pouco veremos advogados invocando o “perfil” do cliente ao defender banqueiros, empreiteiros e parlamentares envolvidos nas maracutaias de sempre.